A PANTOMIMA DO DESEJO
Páscoa ensaia o abandono da partida: a porta que fecha atrás de si; o portão que abre para a rua vazia à frente; a caminhada que inicia rumo ao desconhecido. Escuta seus passos sobre as pedras do calçamento. Troca de mão a maleta que segura e testa o limite do peso que pode suportar, ora mais, ora menos, em movimentos lentos e concentrados.
Sua figura recorta-se na penumbra do quarto como uma mancha do
escuro. Efeito dos cabelos negros, derramados pelas costas, e do branco longo e
largo da sua camisola. A poucos metros, o marido dorme. O lençol que o cobre
desliza de um lado do corpo sem um vinco sequer. Do outro lado, pende em veios
e redemoinha em dobras sobre a superfície lisa do leito. As mãos cruzadas sobre
o peito e as pernas estiradas evocam rígida prontidão. Herculano, como se
chama, tem trinta e sete anos. Páscoa, quase trinta.
Soa um estalido e o rosto de Sofia, de nove anos, surge pela
fresta da porta que se abre, deixando penetrar no ambiente tênue claridade. A
menina se assusta em dar com a mãe como um fantasma. Já Pascoa ao vê-la, se
lembra de quando, na cama, apoiada nos braços, curvou-se sobre si e viu, por
entre suas pernas, o futuro sem escolhas que acabara de nascer de olhos
abertos. Sente-se mal; a maleta cai da sua
mão.
O barulho acorda Herculano. Sobressaltado, levanta-se,
enquanto Sofia, que não sabia da sua chegada, fecha a porta, sem fazer barulho.
– O que faz? – pergunta Herculano dirigindo-se à Páscoa, que não
lhe responde.
Custa-lhe tanto falar, ainda mais atordoada. Deixa-se ser
conduzida à cama.
Herculano observa o espaço e ergue a sua maleta do chão. O
que quis fazer? Olha para a mulher encolhida sobre o emaranhado do lençol. Está
cada dia pior. Quando isso terá fim? Põe
o objeto sobre a arca e sai. Ronda o interior do sobrado: primeiro o quarto da
filha, que finge dormir; depois, os outros aposentos. Ao longo do percurso,
torna-se cada vez mais audível o soar do pêndulo do relógio da sala. Neste
espaço, tudo também está fechado, em perfeita ordem. A única desordem é Páscoa.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by
Maria Tereza O. S. Campos
Li o primeiro capitulo. Simplesmente maravilhoso. Amei a forma que você escreve. E a história me parece ser linda. Vou ler todos os dias um capítulo... Sucesso pra você minha querida. Já amei este primeiro capitulo.. Abraços.
ResponderExcluirRudy Rossi
Obrigada, Rudy. Fico feliz de saber que gostou.
ExcluirExcelente leitura! Tenho certeza que será um sucesso. Parabéns amiga!
ResponderExcluirBom te encontrar aqui!
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