EM FAVELA
A
mensagem do comando-geral para avançar só chegou em 26 de junho, com a tropa em
deslocamento. Dias antes, o general Savaget levantara acampamento, pressionado
pelas condições de insalubridade que a permanência no local criava, e comandara o primeiro ataque vitorioso durante a travessia das serras de Cocorobó. Porém
se ferira e a tomada do território adiante se deu sob o comando do coronel Telles.
Após
o recebimento da retardatária ordem, novas horas transcorreram-se em ataques
vencedores ao longo da passagem pelos morros de Macambira que elevaram o número
de mortos para oitenta num total de trezentas e vinte sete baixas.
O
poente já avermelhava o céu quando pisaram as cercanias do arraial e ouviram os
canhões de Arthur Oscar. Herculano e Benício se entreolharam, com o
entendimento comum de que o comandante-geral iniciara o ataque para tentar derrotar
sozinho o adversário e concretizar seus interesses de glória. Confirmaram seus entendimentos
ao saber que o bombardeio a Canudos começara de manhã, e, para os soldados pasmados
com a precipitação bélica, repetiram a justificativa de Savaget que um motivo
de força maior ainda desconhecido explicava o ocorrido. Era o possível a ser feito para
fortalecer o moral abalado com o risco de o ataque não combinado vir a comprometer
a vitória de táticas bem planejadas e executadas até ali com maestria pelo
agrupamento.
Entraram
em ofensiva no raiar do dia e foram silenciados pelo pedido de socorro de
Arthur Oscar, sitiado em um morro chamado Favela. Depois de análises entre mandar
recursos ou unir-se a outra tropa, o ferido Savaget decidiu pela união. Durante
o comunicado da decisão, Herculano viu a troca de olhares ariscos e, depois, homens
sussurrando. Percebeu desaprovações e receou o vindouro de um deslocamento
feito sob a força da disciplina e não da confiança no general. Mas logo a questão
se dissipou em seus pensamentos, tomado pela prontidão em revidar o ataque inimigo.
Com
descargas enfurecidas ao longo do dia, impuseram a derrota aos adversários e liberaram
o caminho até os companheiros. Galgaram os recostos de Favela e um cenário
desolador se descortinou. Pelo chão, estiravam-se seiscentas baixas entre
mortos e feridos. Ao luar os mais resistentes ainda se ocupavam de enterrar
mortos, socorrer feridos, alimentar famintos, reconstruir trincheiras, enquanto
o Estado-maior das duas brigadas tentava convencer Arthur Oscar de acampar em
outro local com acesso à estrada para obter alimentos, água e munições.
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Não sou homem de arredar pé de posição conquistada. Além do mais, Monte Santo
mandará em breve um comboio, disse o inflexível comandante-geral.
O
medo da derrota por inanição encorajou as altas patentes a se indispor com a
relutância do superior. Pressionado, Arthur Oscar autorizou o envio de um
piquete para acelerar a chegada do reforço e protegê-lo do risco de interceptação
pelos inimigos.
Herculano
foi escalado para a missão e partiu com outros oficiais. Encontraram o
quartel-mestre de Monte Santo desorganizado e desprovido de víveres. Apenas a
seção do telégrafo funcionava. Pediram reforços. Quando retornaram com o
carregamento, em 13 de julho, Favela vivia a penúria física e moral. Durante os
últimos dias, somente os enfermos haviam recebido rações diárias; os sãos se
alimentavam com o obtido em caçadas e incursões às roças do entorno.
Instalou-se, no acampamento, um comércio oportunista. A falta de solidariedade
proliferou como erva daninha. Isolado na sua tenda, Arthur Oscar ignorava a
situação da tropa, aferrado no seu pernicioso comando.
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A desdita não me afrouxa o garrão!
Por
fonte não identificada, o retorno à Favela trouxe também notícias dos
telegramas de Benício. O comandante-geral chamou o jornalista.
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Vossos telegramas tiveram mau efeito na Capital; o que andas a falar?
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Das lutas e do cerco de fome e de jagunços em que nos metemos aqui.
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Parece que a zona de combate não é o local certo para o senhor.
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Queira Vossa Excelência me desculpar, mas não invento nem aumento o que vejo e,
se não for para dar notícia ao jornal, o que devo fazer?
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Partir porque não posso mais zelar pela vossa segurança. Assim, por apreço a
vossa vida, deixe o acampamento – e sem voltas, dessa vez.
Logo
depois, o jornalista se despedia de Herculano.
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Melhor eu dar o fora antes que uma bala não sertaneja atinja meus miolos.
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Com tudo o que viu, é mais útil no Rio do que aqui.
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Espero que sim. Outra coisa: houve consultas de uma deserção em grupo durante a
sua ausência. Tudo à boca miúda e vacilante.
Enquanto
ouvia Benício relatar a consulta, Herculano pensava nas consequências da
debandada para a reputação do Exército e na operacionalização da iniciativa. Era
impossível deixar para trás a artilharia para aliviar o peso durante a fuga e impraticável
remover enfermos sem retardar a marcha nem ser alvo fácil do inimigo. Não
precisou objetar a ideia, pois o jornalista fez a mesma análise e contou que os
consultantes não estavam mais no acampamento: um sumira após dizer que iria procurar
comida e outro fora alvejado na véspera talvez por alguém da tropa.
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Temos de trocar o comando, é a única solução, concluiu Herculano.
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Há espaço para isso. Savaget está prostrado e há tensão no seu Estado-maior. Sinal
que não compactuam com a loucura de Arthur Oscar.
Benício
se foi e Arthur Oscar falou a tropa sobre o ataque próximo. Durante a exposição,
Herculano mirou o coronel Telles, responsável pelas táticas vitoriosas da sua
brigada. Vislumbrou no coronel o oficial apto a destituir o extrapolado
comandante.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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