BARCOS VIRÃO. NOVAS TRARÃO.
Desde que soube do suicídio
de Carlota, Mariinha sofre sem notícias de Abreu Vaz. O padecimento a leva à
igreja. Acende vela para a alma da finada e ora a Deus: sabe que o meu Ioiô é uma dádiva, meu Pai. Não merece carregar essa
cruz para sempre. Não deixa nossa felicidade virar pecado nem esse luto tirar
ele de mim. Eu vos peço e agradeço tamanha graça.
Espírito consolado, a jovem visita
os pais de criação. Quer saldar dívidas de gratidão, pedir perdão e encher seu
coração com as bênçãos do casal. Atendida por Bertoleza, com Rubião a roncar na
poltrona, não passa da soleira da porta. Altino se recusa a vê-la e proíbe
Ismênia de recebê-la.
-- Nossa Mariinha morreu.
Essa é uma desconhecida.
Abatida, atravessa a rua
e procura o consolo de Divina. A inesperada presença movimenta a casa. Uma por
uma das mulheres adentra a saleta do oratório, desejosa de compartilhar as
notícias trazidas pela visitante. Apoiada à bengala e ao lado da velha
Anunciata, sinhá Cota se informa.
-- Vieste por as cartas
ou consultar os búzios?
-- Só visitar, diz entre
soluços. Não quero fuçar o futuro, não.
-- Pois então passe pra
dentro. És da casa. Não da sala de visita.
Ao redor da mesa da
cozinha, as mulheres escutam Mariinha. Suspiram com a passageira felicidade,
afligem-se com o calvário do juiz e se compadecem com o pedido de ajuda para
obter o perdão de Altino e Ismênia.
-- Faz eles entender o
meu destino.
-- Falou-se muito,
menina! E tu saíste que nem uma cabrita desmiolada.
-- Eu sei, sinhá. Mas de
tudo que contei, diga, se o povo não mentiu?
-- Em partes, exclama Belizária,
chegada a pouco do trabalho.
-- Tu já se chamas sinhá?
-- Não, senhora.
-- Então, quieta. Vamos
ver o que se pode fazer com a sobra da verdade. O que tu achas, Divina?
-- Há coisa boa pra
contar; melhor perdoar que açoitar o bem-querer.
-- Ah, como quero esse
perdão, pra tudo ficar direitinho.
-- Divina falará com teus
pais e eu também.
-- Muito obrigada, as
senhoras são boas demais. Num nego o que fiz, mas foi coisa da providência. Ele
até me deu este anel em prova do encontro das nossas almas.
O anel já observado pelas
mulheres sai do dedo de Mariinha e roda de mão em mão entre falas de apreciação
e escutas de outras provas do amor ilícito.
-- É um homem tão bom
que, mesmo sofrendo, mandou pagar o mês de novembro da pensão. É um sinal que
vai voltar, não é?
Todas concordam e Divina
aconselha.
-- Reze e trabalhe. Fazer
seus réis também ajuda a passar o tempo ruim.
-- Tô pensando nisso. Já
até combinei com D. Ninon.
Belizária a interrompe.
-- Vais voltar pra lá?
-- Só pra costurar pras
moças.
-- O povo há de continuar
a falar.
-- Dinheiro é dinheiro,
diz Sinhá. E marafona também tem de se vestir. O problema é se essa Dona Ninon
paga direito.
-- Paga sim. É gente boa.
Injustiça falar mal dela. Não aceito essa malquerença com quem faz o que os
homens num vive sem.
-- Vamos deixar esse
assunto de lado.
-- Vamos sim, D. Divina.
Mas ninguém pode jogar pedra em mim. Foi no errado que eu conheci o certo da
minha vida. Eu quero muito ele de volta. Afeiçoei!
Todas se comovem. Sinhá
dá o parecer.
-- O problema é essa
estaca plantada no coração do magistrado.
-- Não merecia. É homem
direito, só a senhora vendo pra crer.
-- Tenho cá minhas ideias
de como ele pode ser.
-- Num tem valia purgar
essa dor pra sempre.
-- O tempo tudo cura,
exclama Divina.
-- O ruim já se fez,
agora é tocar a vida pra frente e com o bom que ficou.
-- Assim mesmo que eu
penso, sinhá.
-- Aguarde. Barcos virão
e novas trarão.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema
e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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