DA SOBERBA À DESVALIA
A Casa da Guarda atende à rotina das sentinelas do
Palácio. Erguida em planta pequena de dois pavimentos, fronteia a beira-mar em
reforma. No seu interior, Theodoro está de pé, perto de uma mesa recuada, de
onde vê Valentin à porta, com cara de
poucos amigos.
-- Sinto te receber aqui, mas as visitas hoje estão
proibidas.
-- Escroto.
-- Epa! Calma, diz recuando-se.
Valentin se lança para pegá-lo. No impulso, tropeça
numa cadeira e se apoia à mesa. Seu rosto se colore de sarcasmo.
-- Foi sua ou dela a ideia d’eu dar no couro pra
você?
-- Por favor, controle-se.
-- Menos você, não é?
-- Menos eu o quê?
-- Me trouxe pra fazer nela o que não deu conta de
fazer em anos de casado.
-- Basta de impropérios. Se não sabe preservar a
honra dos outros, preserve pelo menos a sua. Você é um Lopes de Santarém.
-- O otário escolhido para te fazer se sentir homem.
-- Minha tolerância tem limites.
-- Menos a sua mania de grandeza. Sem um filho, Deus
não se completa, não é, Theodoro Augusto? E escolheu o seu oposto, para fazer a
sua obra maior?
-- Oscila da desvalia à soberba.
-- A criança na barriga da sua mulher é minha!
-- O fracasso o enlouqueceu de vez.
Valentin empurra a mesa e o prende de contra a
parede. A escolta chega e se joga sobre ele. Valentin luta, mas não consegue se safar dos guardas.
-- Soltem-me.
-- Mantenha a compostura e poderá sair daqui apenas
escoltado.
-- Verme.
-- Por favor, general, acompanhe o senhor Valentin
até o coche.
-- Tirem as mãos de mim.
-- Irão tirar tão logo o deixem num local onde possa
recuperar a razão, fala Theodoro.
Recebe um cuspe de Valentin. Impassível, passa um lenço no rosto.
Contudo, quando sozinho, extravasa a ira. Joga uma cadeira contra a parede.
O percurso se desenvolve com Valentin quieto e reflexões soldadescas: “Desastrado, mas corajoso o sujeito”. “Que sangue de
barata tem o doutor secretário”. “O mundo fica pequeno depois disso”. “É caso
de matar ou morrer”. Há também contendas mentais, travadas pelo chefe da casa
militar: “Não vou me meter em assuntos de alcova. Ai de Theodoro se me
interpelar. Irei imediatamente ao presidente. Se achar que fui relapso, que arranje
outro para pôr no meu lugar”. Decisão
tomada, o general desmobiliza a escolta, manda o cocheiro levar o passageiro no
endereço que ele quiser e retorna para o gabinete, sem dar satisfações de seu
ato. Também não é procurado pela parte interessada.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de
adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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