A PÁTRIA EM MAUS LENÇÓIS
Herculano desce do bonde e caminha em direção
à Rua do Ouvidor, onde um estudante discursa contra a vacina. A visão do
protesto e dos ouvintes atua como um bálsamo nas suas feridas. Aproxima-se da
aglomeração.
Não demora a aparecer o delegado Barroso,
acompanhado de Raposo e de dois guardas. Dá voz de prisão. O estudante se
rebela e a turma do deixa disso intervém, sem êxito. Preso o jovem, alguns dos
ouvintes o escoltam. Herculano segue junto. Na altura da Praça Tiradentes, o
pessoal do sereno se inteira da prisão, deixam de lado as iscas de peixe e a
cerveja e tomam partido do orador. Em número desigual para um latente
enfrentamento, o delegado manda Raposo chamar reforço e aconselha o grupo a se
dispersar. Mas ninguém arreda o pé dali. A conversa se arrasta entre pedidos de
soltura do jovem e réplicas de que a lei tem de ser cumprida. O reforço
policial desponta. É recebido a vaias. Há o empurra-empurra e o conflito irrompe.
Herculano observa de longe os corpos em revolta.
Hora mais tarde, escreve sua coluna de jornal. Relata a repressão policial, com
críticas à proibição dos discursos públicos, e convoca os leitores para o
comício da Liga Contra a Vacina, no Largo de São Francisco, na manhã seguinte:
“É chegada a hora de soerguermos do terremoto das improbidades políticas e combatermos
os vendilhões da democracia. Vamos nos unir e decretar o fim da opressão”.
Outras redações também preparam suas edições
matutinas. Durante a noite, tipografias imprimem entrevistas e conteúdos
prenunciadores de desordens públicas.
“Se permanecerem os dispositivos da lei da
vacina, haverá uma revolução civil e eu irei me alistar entre os brasileiros
que derem combate a favor da liberdade de escolha”, diz, numa entrevista, o
médico e deputado federal Teixeira Brandão, até então um dos defensores do
caráter compulsório da vacina.
“Dr.
Seabra manifesta-se contrário ao rigor sanitário”, informa outro jornal.
“O empurra-empurra na saúde pública predomina
entre os parlamentares e as autoridades. Um grupo não assume suas defesas de
outrora e querem se isentar da aprovação dos regulamentos. Outro grupo promete
pegar em armas se suas defesas pregressas forem implantadas. O governo, por sua
vez, proíbe o protesto contra esse furdunço eivado de dúvidas científicas. Ante
a esses fatos, até o espírito mais alienado compreende que a Pátria está em
maus lençóis”, afirma um periódico.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
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