ENTRE HIERARQUIAS
Theodoro
ouve Silva Castro contar sobre o discurso de Herculano. Entende que a reserva
do militar esconde combustão para a rebelião e pensa em como impedir os efeitos
em Rodrigues Alves de outro intragável relatório confidencial.
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Bom ter me contado. Irei ver quem pode aquietar o Capitão.
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É caso de punição e rigorosa. Isso é indisciplina militar.
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Exato, mas o rigor tem de ser na medida certa. Caso contrário, a punição vasa,
e a imprensa dirá que é atentado à livre expressão. Melhor algo mais sutil.
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Observarei esse ponto no meu reporte ao Ministro da Justiça.
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Falar com Seabra é falar com o presidente. Acha conveniente sobrecarregá-lo?
Silva
Castro hesita em responder, receoso de que outras fontes informem o ministro
sobre o discurso de Herculano e seja interpelado pelo superior.
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Penso em apenas pô-lo a par e dizer que estou atento.
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Mas há o risco dele procurar Argolo. Em pouco tempo, a cúpula do Exército estará
ciente. Isso não é bom. O mau humor pode se voltar contra você.
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Ossos do ofício. O que fazer?
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Dê-me antes a oportunidade de intervir na situação.
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De quanto tempo precisa?
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Menos do que o necessário. Hoje mesmo tomarei providências a respeito.
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Fico no seu aguardo, então.
Após
o almoço, Theodoro surpreende Costallat com o pedido de audiência. Mais essa agora, retruca consigo mesmo o
comandante da Escola Militar da Praia Vermelha. Autoriza o ajudante de ordem a
fazer entrar o visitante.
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Posso voltar em outra hora, se preferir, diz Theodoro.
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Por favor, tenho sempre tempo para o senhor.
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Agradeço! Apesar de apreciar visitas programadas, quis vir me desculpar o
quanto antes por não ter podido comparecer à solenidade de ontem.
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Muito gentil de vossa parte.
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Soube que o Capitão Dias discursou com uma verve vulcânica.
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Apenas um arroubo patriótico, coisa do calor da hora, responde Costallat, incomodado
com a velocidade da difusão da notícia.
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Folgo em confirmar vossa análise equilibrada. Estamos todos sensibilizados com
o lado difícil da reurbanização, quando não com os nervos à flor da pele.
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Em breve tudo se acalmará. As razões do progresso sempre falam mais alto e,
como amigo do Capitão, o senhor poderá aconselhá-lo.
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Sim e me preocupar enquanto secretário do governo. Havia jornalistas?
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Não vi nem soube da presença.
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Antes isso. A plateia gostou do discurso?
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Aplaudiu solidarizada com os afetado pelas demolições.
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Agradeceria se me mantivesse informado sobre possíveis desdobramentos.
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Terá notícias pelo nível hierárquico competente. Irei reportar o ocorrido e a
vossa visita ao general Argolo tão logo ele retorne de sua viagem.
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Claro. Inclusive, antes de vir, ponderei se não devia aguardar o retorno dele
para lhe falar diretamente. Mas como conto com a vossa cordialidade, dei-me o
direito de ser maleável com os protocolos da hierarquia.
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Minhas portas estão sempre abertas para o senhor.
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Agradeço. E quero ouvir vossa opinião. Mais que um professor, Dias é um patriota,
apto para integrar a ocupação militar no Acre. Não vê assim?
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O Capitão está preparado para servir o país onde for preciso.
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Crê em transtorno para a Escola se houver uma transferência?
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Temos no nosso quadro mestres à altura para substituí-lo, se for o caso.
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Ótimo, porque em momento de nervos à flor da pele, o preparo e o patriotismo do
Capitão podem ser mais úteis no Norte que dentro da sala de aula, não acha?
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Essa avaliação é de alçada superior.
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Estou certo de que sim e confiante de que Argolo irá apreciar minha sugestão ou
pensar em outra tão recomendável quanto essa.
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Esse é o procedimento.
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Obrigado pela atenção. E, por favor, deixe-me saber se puder contribuir com
algo mais para outra questão de interesse comum.
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Agradeço a oferta.
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O agradecimento é todo meu.
Não precisa de inimigos, quem tem um amigo
como esse, pensa Costallat. Já Theodoro deixa o gabinete confiante nos
resultados da sua conversa: para um bom
entendedor meia palavra basta. Dirige-se
ao coche com a mente movimentada por outra questão: ouvir de Abdias que
Valentin já embarcou para Belém do Pará.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
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de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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