DA RELIGIÃO DA PÁTRIA
-- Extra. Extra. Há
giornale nuovo no paidze.
-- Chegou o Cumércio do
Brasil.
-- Tutti mundo unido
pela moralisazzione da república do Brasile.
Os pregões dos meninos
jornaleiros soam melodiosos para Herculano. Como os demais companheiros,
amanheceu na rua para acompanhar a distribuição da primeira edição do Comércio
do Brasil. A manchete conclama o Exército a intervir nos desmandos do país.
A satisfação reluz sobre as marcas de cansaço no seu rosto.
Separa alguns exemplares
para distribuir aos operários. Ao contrário do recomendado por Brito, manteve a
agenda com o grupo. O número de participantes tem decrescido. A impossibilidade
de atender às expectativas de amparo material responde pelas evasões. No
entanto, Herculano aposta que os artigos do jornal mostrem ao grupo que não
estão sozinhos na luta por um governo melhor. Inclusive em seu artigo de
estreia, assinado com o pseudônimo de Apolônio Cidadão, defendeu muitos pontos
de interesse deles, como a redução da jornada de trabalho, o descanso
remunerado e a instrução para o trabalho. Crê que esse e
outros conteúdos gerem entusiasmo e favoreçam a retenção dos participantes.
Imbuído dessa convicção, toma o bonde levando os exemplares do jornal.
Pouco a pouco, a Capital
Federal se inteira do lançamento do Comércio do Brasil. Entre reações
positivas e negativas, leitores assimilam o teor combativo do jornal, que
dedica espaço a promoção do primeiro de maio como o Dia Internacional do
Trabalho. A promoção ocorre também em outras gazetas. Jornalistas discorrem
sobre as precárias condições de vida dos operários. Outros analisam os riscos
de que incitadores, com o predomínio de imigrantes, insuflem a desarmonia entre
os patrões e os empregados.
Euclides da Cunha assina
o artigo Um Velho Problema num jornal da cidade de São Paulo. Aborda o
mundo do trabalho à luz dos conceitos de Karl Marx. Diz que esse falecido
pensador alemão demonstrou de modo claro e científico que a fortuna dos
capitalistas resulta da espoliação de grande parte da riqueza produzida pelos
trabalhadores. Enfatiza que essa espoliação só cessará quando houver a
socialização dos meios de produção. Prevê resistência dos patrões às reformas
destinadas a pôr fim à exploração do trabalho alheio e, por decorrência, catástrofes
sociais. Porém, crê em modos de evitá-las: basta que haja a expansão da consciência
dos explorados e que eles cruzem os braços. Afirma que esse método triunfará e
que as leis positivas da sociedade criarão o reinado tranquilo das
ciências e das artes, fontes de um capital maior, indestrutível e crescente,
formado pelas melhores conquistas do espírito e do coração.
Herculano não gosta do
artigo e se preocupa com as ideias do amigo.
Barreto também se dedica
a refletir sobre a exploração humana. À mesa do simplório quarto, ele se expressa
na voz de um personagem do romance que escreve: “Pois o senhor acha justo
que esses senhores gordos, que andam por aí, gastem numa hora com as mulheres,
com as filhas e com as amantes, o que bastava para fazer viver famílias
inteiras? O senhor não vê que a pátria não é mais do que a exploração de uma
minoria, ligada entre si, estreitamente ligada, em virtude dessa mesma
exploração, e que domina fazendo crer à massa que trabalha para a felicidade
dela? O público ainda não entrou nos mistérios da religião da Pátria... Ah, quando
ele entrar!”.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
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