AO IR E VIR
Arriado
pelas decepções, Valentin se deixa ser levado pelo ir e vir de um bonde. Nesse
trajeto retarda o encontro com a solidão de um quarto de hotel. Não se conforma
com Catarina ter engravidado do marido, depois de tantos anos de casada. Acha
lógico ser o pai da criança – e deseja ser, no avesso do antigo receio de pôr
um filho no mundo. Porém, a paternidade negada e a rejeição sofrida revelam a
realidade dos fatos: tudo acabado; ela
ama Theodoro.
Insaciáveis,
os tormentos do amor exigem sofrimentos maiores. Desenterram angústias e passam
em revistas frustrações. A dor o torna apático.
Bonde
vazio, o trocador o observa: a expressão triste, a mala de viagem, a caixa de
couro da máquina fotográfica. Pensa em alguém que trombou com a desdita e
desorientado tomou o primeiro carro que passou. Acha que ficará nesse ir e vir,
com risco de fazer uma doidice, a menos que uma alma caridosa o socorra.
Aproxima-se. Valentin tira o dinheiro para pagar nova passagem. O trocador recusa.
-- O
bilhete ainda tá valendo.
--
Tira o da volta.
--
Paga depois, diz, senta-se ao lado e pergunta o que quer saber: tá de partida
ou chegando?
Valentin
o fita, sem ânimo de responder. Não precisa, pois o trocador fala de novo.
-- Meto
o bedelho, não por mal. Mas tem pra onde ir?
--
Logo desço.
--
Como quiser.
Emudecem.
O trocador fica um ar reflexivo e olhar longínquo. Confidencia.
-- Às
vezes, acordo com a veneta virada e as ideias giram que nem pião.
-- Há
dias ventosos.
--
Noites também. E se for por causa de mulher, aí o pião sapateia com gosto.
-- Hun!
-- São
umas desalmadas. Derrubam a gente sem dó nem piedade. É o caso?
-- De
quem? - indaga meio ouriçado.
-- De
quem sofre de amor Só um remédio cura: os braços de outra mulher.
-- É.
-- Tem
uma botica muito boa logo em frente.
-- Não conheço.
--
Vê-se que é de fora. Mas, garanto, é coisa de primeira, se tiver bolso pra
tanta finura. Se não, há outra mais em conta quase no final da parada.
Valentin
decide abrandar as dores e desce diante do bordel Casa Rosada.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
Nenhum comentário:
Postar um comentário