NÃO FAZ SENTIDO
Valentin
desembarca no Pharoux e se dirige a um coche de aluguel.
-- Livre?
-- A
vossa espera, senhor. Aonde quer ir?
As
exigências do desejo agitam-se no peito saudoso e se expressam:
-- Rua
São Clemente.
-- É
pra já.
Ao
longo do percurso, tudo que Valentin gostaria de dizer a Catarina e de ouvi-la falar
lhe vem à mente. Voluptuosa, a esperança o inunda e transborda do olhar. Ilumina
o reconhecimento das ruas reviradas pela reforma e resiste à memória das
desilusões, como o passado colonial da cidade às demolições em curso.
Sorrateiro,
desce do coche e penetra o solar. Vê Catarina estirada em um recamier entre flamboyants
numa lateral do jardim. À medida que se aproxima, entende a massa volumosa que
a amada se tornou e deseja ser o pai da criança. Emocionado, contempla o corpo
grávido de perto. Catarina sente a presença e abre os olhos, que se fixam em assombro.
Tenta se levantar e logo está de pé, entre os braços de Valentin, embevecido.
--
Está mais linda do que nunca.
-- Ora,
deixe disso! Preciso de ar... Por favor, me solte.
É
atendida e disfarça sua inquietude com a costumeira frivolidade.
-- Que
surpresa!
-- Surpresa,
digo eu. É o que penso?
-- O
quê?
-- Eu
sou o pai?
--
Claro que não.
A
decepção anuvia o rosto de Valentin – e o desejo rebela-se.
-- Não
pode ter certeza.
--
Posso.
--
Como?
-- Deixe
de ser indiscreto.
-- É o
meu direito saber.
-- O
neném nascerá no final do ano. Faça as contas você mesmo.
-- Não
faz sentido!
-- A
falta de sentido é você pensar diferente.
--
Essa criança é minha
--
Nunca mais diga isso. Theodoro é o pai.
Inconformado,
Valentin luta pelo seu amor.
-- Fale
a verdade. Não tenha medo. Juntos, vamos enfrentar tudo.
-- Não
há nada que enfrentar e esqueça o que houve entre nós.
-- Impossível.
Se nossa paixão está viva e dentro de você.
-- Não
se engane nem me torne uma obsessão. Amo Theodoro mais do que antes e, por tudo
que lhe é mais sagrado, eu te peço: não destrua a minha vida.
O pedido agrava a dor do coração derrotado e se repete de modo radical.
--
Sabe que não tem condições de ficar aqui. Vá embora e não me procure mais.
Rendido pela rejeição, como um obediente cachorro enxotado, Valentin
se afasta, aturdido e cabisbaixo, enquanto Catarina roga: Pai santíssimo, Virgem misericordiosa, não me
desamparem.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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