BOLA DE NEVE
Na
biblioteca do solar, Catarina folheia jornais e constata a boa repercussão da
carta dos Cruzados: Graças a Deus! Receava
não sensibilizar as redações com uma única missiva, uma vez que Sóror Helena,
irmã de Carlota, recusara-se a participar da iniciativa. Porém o endosso à
campanha das colunas Pingos e Respingos,
Podridão do Vício e Higiene e Moral lhe mostra que seus
receios eram infundados. Com ou sem mãos
escrivãs, é o seu o seu fim, Ninon de Valoir. Será soterrada por essa bola de neve, pragueja Catarina com os seus
botões. À noite, indaga Theodoro se descobriu alguma pista de quem pagou a
apócrifa publicação. A resposta a agrada.
-- Tudo
na mesma. Ninguém tem nada a dizer.
--
Inacreditável!
-- Não
querem criar problema com quem também faz a renda do jornal.
-- Sempre
o vil metal. Isso é um absurdo!
-- Com
dias contados. Estou propondo a criação de uma lei para acabar com o anonimato
dessa lucrativa irresponsabilidade.
-- Será
um bem que fará ao Brasil. A Pedidos é
uma vergonha nacional, diz espreitando a fisionomia do marido, que não revela
sua apreensão com a questão.
Entretanto
Theodoro está preocupado porque a publicação da carta reavivou questões públicas
pendentes. Recentemente, um grupo de comerciantes enviou à Municipalidade uma
representação pedindo providências contra o trottoir diante das lojas. Sem um
retorno à altura de suas expectativas, o grupo se valeu da publicação para cobrar
do prefeito agilidade “na extinção da impudicícia que afugenta a clientela das
ruas comerciais”. Logo mais foi a vez dos médicos higienistas em retomar a defesa
da regulamentação do meretrício, com dispositivos que englobam o cadastramento
das praticantes e a sua sujeição a exames clínicos regulares como meio de
tratar doenças venéreas e evitar a proliferação. Do mesmo modo que os
comerciantes, os médicos alimentam a campanha com artigos regulares nos quais
pedem a assertividade das autoridades no enfrentamento do problema que
consideram de saúde pública. Num momento em que cresce a insatisfação com a
reforma urbana em curso na cidade e há a resistência em tornar obrigatória a
vacina contra a varíola, tudo que o governo menos precisava era sofrer mais desgastes com o ressurgimento daquela questão.
--
Ainda bem que você é um forte e sabe lidar com essas apoquentações diz Catarina
indiferente à bola de neve que criou com a carta dos Cruzados da Moral.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
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