DO INFORTÚNIO ALHEIO
Numa
luxuosa e espelhada confeitaria, descortina-se para Catarina a desgraça de
Carlota Abreu Vaz, uma das irmãs da Ordem da Estrela.
-- O
magistrado possui uma teúda e manteúda.
A
revelação aperta a dor calada no peito de Catarina.
--
Coitada. Imagino como deve estar sofrendo.
--
Destruída pela mais apática melancolia. Só reage com cálices de Porto.
--
Quem te falou?
--
Eudóxia e está possessa. Contou que o comércio do marido sofre com essa
escandalosa invasão.
--
Invasão?
-- Das
desclassificadas. Estão a fazer o mais desvelado trottoir nas ruas.
-- Não
me diga?!
-- Na
Sete de Setembro, sobem e descem até em plena luz do dia, abanando o rosto
cheio de pintura com leques de elevado preços. Não há casa comercial que
resista a tão dissoluta companhia.
-- Foi
assim que o magistrado conheceu a pessoa?
-- Em
lugar pior. No bordel da francesa, a tal Ninon de não sei o quê. Já ouviu falar
da peçonhenta?
--
Vagamente.
--
Dizem que a devassada se veste com um luxo só.
--
Carlota descobriu de repente?
-- Não,
aos poucos, por causa das constantes ausências noturnas do magistrado, mas há
muito que dormem em quartos separados.
-- Ó
dó!
--
Pois então. Carlota recolheu-se no silêncio, achando que essas ausências fossem
apenas uma necessidade passageira, coisa de homem, sabe como é?
--
Sei.
--
Qual o quê! A dissoluta enlouqueceu o magistrado. E o despropério alcançou as
alturas. Parece que montou casa para a perdida ou a botou num hotel.
-- Ah,
não!
--
Quem poderia imaginar uma coisa dessas, não é? O magistrado sempre foi tão
atencioso com Carlota.
-- Mas
ela precisa lutar.
-- E
não lutou? Chorou, descabelou, arrufou... O que mais pode fazer senão padecer
com dignidade?
Catarina não sabe responder a questão, pelo
menos nesse momento, mas acha que deve tirar partido do infortúnio alheio para
resolver o inconfessável que ameaça o seu casamento.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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