SENTIDOS DELICIADOS
O casal anda pela praia
da Vila de Ipanema, com Abdias aposto no coche atrás. Valentin traja uma
sobrecasaca e vive sentimentos que misturam anseios românticos e dilemas em
trair a confiança do amigo. Envolta em uma capa, Catarina sente um vago tremor.
Se a razão é a transgressão em curso, o tremor lhe parece semelhante ao que
sentiu por época da sua entrega virginal a Theodoro antes de se casar. Agora se
é fruto da praia deserta, acha natural apreender-se com esse cenário de
claridade frouxa. Tomada por esse impreciso palpitar, lança-se ao encontro do
desconhecido.
Sobem nas pedras do
Arpoador, que mergulha o mar. Admiram a imensidão das águas à frente; depois,
contemplam a grande praia que se estende à direita e o distante morro elevado
em dois picos, como seios ofertados aos céus; os olhos então se volvem para a
esquerda e pousam lá longe no braço de pedras, onde habita a solitária
igrejinha de Copacabana e que forma a pequena enseada ao lado.
-- O amanhecer é mágico.
Ávida para ser impregnada
por tal magia, Catarina pede que eles sigam. Conforme caminha, sua capa balouça
e logo se torna como asas de um pássaro negro que alça voo quando ela salta
para a areia da pequena praia. Desvencilha-se da capa, das sapatilhas, da touca
e se expõe em macacão preto de mangas curtas e palas com frisos brancos. Corre.
Eufórica molha os pés nas águas que se espraiam sobre a areia. Recebe Valentin,
também em traje de banho, e, pela mão, puxa-o para o mar.
Sustos excitados e
desequilíbrios deliberados levam o seu corpo a roçar o do outro durante o
deslocamento pela arrebentação. Valentin não se contém. Ergue-a e avança mar
adentro com Catarina entregue no seu colo. Depois a faz boiar. O prazer a
inunda... O azul amanhecido acaricia suas pupilas, enquanto a água salgada oferece
novo sabor ao seu paladar. Já maresia delicia seu olfato e o som do mar enleva
sua audição. Sente-se consagrada pela natureza e enlaça Valentin pelo pescoço.
Banha-o com o seu olhar. Um beijo se prenuncia. Contudo, uma onda se aproxima e
a crina se volta sobre si mesma.
-- Agacha, no fundo, pede
de pronto Valentin.
No impulso do mergulho,
soltam-se. Debaixo do turbilhão que rola, Valentin procura Catarina e a vê tal
qual uma sereia em cabelos, braços e calda oscilantes que, após sorrir,
impulsiona seu corpo para a tona. Surpreso com essa desenvoltura, a segue.
Irrompe na superfície. E, ali, no puxo e repuxo das ondas, assiste a sereia
nadar em direção à praia, pisar o chão, palmilhar as areias secas e, de costas,
virar o rosto para ele, com uma expressão satisfeita. É hora de partir.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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