EXPECTATIVAS
As horas da manhã se
arrastam para Valentin. Chamado para almoçar, indaga à mesa o motivo do lugar
vago.
-- E D. Catarina?
-- Preferiu comer algo no
quarto e tirar o dia para descansar.
Terminada a refeição,
senta-se na sala onde pega um jornal. Em pouco tempo, desiste da leitura. Volta
para seus aposentos e aí permanece, com a ansiedade a consumi-lo: está apenas a despistar a criadagem; deu-me
esperanças. Não me esqueceu! No
começo da noite, zanza pelo solar. Vê uma criada descer a escada e encontrar-se
com outra ao pé da escada. Ouve a prosa:
-- Ganhamos a folga?
– Sim, até o dia raiar.
Valentin crê que Catarina
cria condições para um encontro e devaneia com o porvir. Janta também sozinho
-- O senhor deseja algo
mais? pergunta Josefa.
-- Não, obrigado.
-- Deixei, na casa de
hóspedes, uma bandeja servida, caso queira cear mais tarde. Vamos fechar a
cozinha e a casa mais cedo.
-- Obrigado.
Mal agradece, libera a
cena para cada qual fazer a sua parte no enredo que supõe estar sendo escrito
por Catarina. Adentra a saleta da casa de hóspedes. Sente um cheiro doce no ar.
Vê manacás entre lírios e helicônias em um arranjo sobre o aparador, além de garrafas
de vinho, da fruteira reabastecida e de travessas que destampa: carne assada,
queijos, pães e geleias se expõem. No quarto, nota que as roupas de cama foram
trocadas; na sala de banho, encontra novas toalhas e a banheira cheia à espera.
Está maravilhado de ver os indícios do enredo imaginado e destinado a ser
desenrolado ali. Virá a mim. Despe-se
e se deita na banheira. Nem Salomão teve
algo assim.
Banho tomado, veste a túnica. O cheiro de limpeza que exala da
roupa evoca os cuidados desfrutados nesse lar. Abre a janela e se senta à mesa.
Põe-se a desenhar e a esperar. A impaciência cresce. Delirei. Não. Quis estar comigo. Mandou preparar cada detalhe com
carinho. Talvez tenha desistido. Teme dar um passo em falso, incerta quanto aos
meus sentimentos. Oh, bobinha, dê-me a chance de lutar por você.
No quarto do solar,
Catarina se admira diante do espelho da penteadeira. Uma trança contorna a sua
cabeça como uma coroa. Mangas diminutas sustentam o vestido decotado. Usa o
cordão com a estrela e nada mais. E pensa em Maria Luísa da Áustria, a princesa
que, para servir a sua nação, casou-se, em 1810, com Napoleão, o imperador da
França de então. Responsável por guerras entre os dois países e com outros, a
família da noiva o tinha como um usurpador de reinos, herege e inimigo do povo
austríaco, além de plebeu e um infame por ser divorciado. Mas necessidades
financeiras do reino falaram mais alto e a jovem lhe foi dada em casamento. Os
princípios não se aplicam a todos, nem a todas as situações. Rainhas são
predestinadas a ações singulares. É chegada minha hora. Estrela-guia banhe-me
com sua graça, faça ser doce e fecunda a minha entrega. Coloca brincos e se contempla
uma vez mais.
Já na casa de hóspedes, a
espera, a ansiedade, o medo da desilusão dilaceram o peito esvaziado da solidão
roubada por Catarina. Impossível carregar esse vazio sem um abrandamento. Recorre
ao seu condão de bem-estar.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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