DA REJEIÇÃO
Catarina
passa o dia no quarto e horas torturantes se sucedem para Valentin, desejoso de
tê-la novamente em seus braços. A noite chega e ele rouba a chave da porta de
uma das salas do solar. Da casa de hóspedes, espreita a movimentação: janelas
que se fecham; luzes que se apagam, outra que se mantém acesa; criadas que
deixam o solar...
Recostada
na cama, sonhando em estar grávida, Catarina empalidece ao vê-lo. Levanta-se.
--
Perdeu o juízo?
--
Precisava ver você.
-- Não
pode entrar aqui. Por favor, vá embora.
--
Onde então podemos nos ver?
--
Esqueça o que aconteceu. Foi um sonho, não, um pesadelo, uma loucura.
-- A
loucura ocorreu há anos, quando a deixei ir de mim.
--
Tarde demais, Valentin. Há Theo. Jamais poderei ser feliz ao seu lado.
-- Não
foi isso que mostrou nos meus braços.
-- Era
uma mulher narcotizada, fora de mim, enredada em um teatro profano.
-- E,
ainda assim, pleno de revelações.
-- Que
me envergonham profundamente. Perdemos a noção do certo, do errado, de tudo o
que é mais sagrado.
--
Vivemos o sortilégio da paixão.
-- Não
somos animais para agir à mercê dos instintos.
-- Por
que nega a emoção sentida?
-- E
passar por cima de tudo? Jamais. Os valores nos elevam. E nós os violamos.
Ferimos o decoro, traímos a confiança de Theo e eu os meus votos matrimoniais.
--
Nenhuma palavra de carinho, só condenação?
--
Como pode ser insensível?
--
Consumiu minha sensibilidade com as promessas do seu olhar.
-- Por
favor, não me degrade ainda mais.
--
Longe de mim. Mas seus tormentos me surpreendem, destoam de você.
--
Então não me conhece.
--
Inteirou-me de desejos, não de dilemas.
--
Quer me impor toda a culpa?
--
Não, quero apenas entender o que a moveu: não bastou o banho de mar? Precisou
deitar-se comigo para descobrir seus limites?
Catarina
olha ao longe e exala uma trágica dignidade.
-- Se
pudesse palpitar em meu corpo, um instante sequer, saberia o quanto ansiei
viver o que o destino nos negou. Ao te ter de novo tão próximo, fantasias
juvenis despertaram e, enfeitiçada, mirei as águas do desejo. Confundi o
impossível com o possível. Pensei que estivesse acima dos costumes. Mas não.
Descobri que não posso trair meus valores, desonrar Theodoro e nossas famílias.
Mais um passo em falso, escorrego para o abismo de mim mesma. Não quero viver
entre Suplícios, Lágrimas e Trevas. Peço-lhe perdão, compreensão e que parta
para o Amazonas o mais breve possível. Meu espírito pede reparação. E só com a
separação de ti, com a mais completa distância, poderei reconciliar-me comigo e
me elevar novamente aos meus próprios olhos. Não me negue o refrigério da paz
possível.
Desorientado
por ser fonte de tanta agonia, destribado da paixão, Valentin recua em passos
lentos até ter coragem para sair de vez. Catarina cobre o rosto com as mãos: não sou má, só precisei ser um pouquinho
ruim.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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