CONFIDÊNCIAS
Certa noite, Herculano comenta a sua
agenda da semana, com um dia todo fora e em data que coincide com a dos
serviços do Tião longe do arraial de Copacabana. Na primeira oportunidade,
Páscoa convida Maria Luísa para aproveitar essa ausência e conhecer o sobrado.
Eufóricas preparam a façanha e partem para vivê-la.
Durante horas de farta
liberdade, confidências são aprofundadas. Maria Luísa revela o segredo da sua
vida: a entrega a um professor da faculdade, que a abandonou para se casar com
outra, em meio a um romance com ela. Páscoa observa a expressão segura se
apagar no rosto da amiga.
-- Não foi fácil. E
ainda não é. Sinto uma pressão no peito quando falo dele.
-- Não poderia ser
diferente. Você o amou.
-- Li em algum lugar
que a inocência perdida jamais é recuperada. Temo nunca mais amar alguém com
tanta intensidade.
-- Compreendo. Mas
torço para que a pequenez alheia não silencie o seu coração. Tem uma natureza
tão forte, exuberante, e é livre para viver um novo amor. Isso é uma dádiva.
Como busco ser brindada por ela.
-- Por que diz isso?
-- Venha, vamos tomar
um chá enquanto te conto uma história.
O enredo se revela
entre o capim-cheiroso apanhado na horta e o chá saboreado à mesa da cozinha.
Grego, conhecido até então por Maria Luísa apenas como o banhista profissional
que levou a amiga ao mar, ganha nome e sobrenome, outra profissão e papel
diferenciado em uma narrativa pontuada por anseios de prazer e de liberdade.
-- Agora compreendo a
sua reação quando falei da lei do divórcio.
-- Acha que tenho
alguma chance de me separar?
-- Somente se provar
maus tratos, risco de vida e abandono de lar.
-- Não existe isso.
-- Outro amor, nem
pensar. É adultério. Além de prisão, como já falei, o cônjuge infrator perde a
guarda dos filhos.
-- Que horror! Não há
espaço para uma decisão comum dos cônjuges?
-- Talvez no futuro. O
projeto do novo Código Civil consigna o divórcio por mútuo consentimento, porém
precisa ser aprovado. O Capitão quer se separar?
-- Não. Porém, preciso
pensar em todas as possibilidades.
-- Tem trocado cartas
com Grego?
-- Também não.
-- Acha que ele volta a
procurá-la?
A pergunta fustiga as
inseguranças com relação aos sentimentos inconstantes de Grego. Receios são
dissimulados com outras apreciações.
-- O que vivemos foi
tão belo, tão mágico! Não há razão para ter-me esquecido.
-- Ah, os homens! São
exímios na arte da sedução e insensíveis com os corações que despedaçam. Espero
que o que vivi lhe sirva de lição.
-- Grego deu-me
alegrias sem me forçar a nada.
-- Mas, por mais
encantadores que tenham sido esses encontros, não me parecem algo tão forte
assim para você querer jogar o seu casamento pelos ares.
Páscoa se assusta em
ter sua vivência julgada.
-- Depois do que
vivemos no mar, não precisaria de um encontro a mais para eu ter certeza do
bem-querer que temos um pelo outro.
-- Falou-me de momentos
mágicos. Pode estar confundindo atração com amor. E há o risco de Grego se
encantar com alguém durante essa turnê. É um homem solteiro.
-- Mesmo assim, quero ser dona de mim, como você é.
-- A vida sozinha tem a
sua aridez e a de uma divorciada é bastante difícil.
-- Pior ser uma mulher
insatisfeita.
-- Bom, se está
decidida, seja prática. Com que regime de bens se casou?
-- Parcial.
-- Preciso ver os
documentos do casamento.
-- Creio que só tenho a
certidão.
-- Não, deve ter um
chamado Pacto Antenupcial. É ele que atesta o dote e outras disposições sobre
os bens que tem direito.
-- Vou procurar entre
as coisas de Herculano.
-- A melhor saída é
convencê-lo a fazer uma separação informal, só entre vocês, até o novo código
ser aprovado. Mas, antes disso, guarde em um lugar seguro objetos de valor.
Terá como fazer dinheiro no curto-prazo, caso ele use o vil metal para te
prender. Nunca se sabe a reação de um homem ferido.
Joias, pratarias,
cristais e porcelanas surgem na mente de Páscoa enquanto a casa de Maria Luísa
lhe parece ser o local mais adequado para guardar esses bens. No entanto, a
ideia de agir sorrateiramente a constrange.
-- Será preciso tanto?
-- Sim e o que mais
puder para se proteger. Terá uma guerra pela frente se o capitão não lhe der a
separação.
Páscoa segue os
conselhos da amiga. Esconde as joias nas suas gavetas de roupas íntimas e
reorganiza as baixelas e adornos de forma diferente para espanto de Quitéria,
desassossego de Belizária e curiosidade de Sofia com a nova arrumação.
Documentos do casamento são achados e analisados pela advogada. Novos alentos
movem as suas caminhadas no jardim, abraçada à concha. Flores se abrem numa
primavera antecipada. Só não desabrocha a coragem para pedir a separação.
Setembro raia.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
Nenhum comentário:
Postar um comentário