ESCUTE-ME
Sofia
está deitada na cama, de onde fita os pingentes que contornam a cúpula do
abajur. A doçura do olhar está embasada com as lembranças da tentativa da fuga
da mãe que ia deixa-la para trás. Justo ela, que a ama e protege tanto. Está
também triste consigo mesma. Por ter dito aquilo que nem ousa repetir em
pensamentos para si.
Na
sala, Páscoa entende que Grego não cumpriu com o combinado e se apega à
esperança de que Maria Luísa e José Inácio consigam suavizar as penalidades do
crime de adultério. Acredita que a memória do seu abandono irá lhe ajudar a
suportar os tempos difíceis que terá pela frente. Sair do outro lado dessa situação é o jogo possível a ser feito com as
cartas da sua natureza contra os quais não quer mais lutar. Será dona de si
custe o que custar. Quitéria entra aflita.
--
Não há uma viva alma na rua. Nem um gato no muro. E a gente aqui trancada, sem
poder sair. Eles já deviam estar de volta.
A
última coisa que Páscoa quer pensar é no retorno de Herculano.
--
Vou ver Sofia. Sobe depois para me trancar.
--
Ah, filha!
Páscoa
se afasta, sobe a escada, percorre o corredor e entra no quarto da menina.
--
Podemos conversar?
A
garota não responde.
--
Não sei quando poderei ver você de novo.
Sem
resposta, Páscoa se aproxima e se senta na beira da cama.
--
Então me escute. Ia fugir para pedir proteção para Maria Luísa, só ela pode me
ajudar. Quero me separar do seu pai e ir morar com você no arraial, mas ele não
quer. Por isso, essa triste confusão. Já causei muita dor por ser do jeito que
sou. Também sofri. Quando você nasceu, temi não ser capaz de protegê-la de um
destino parecido com o meu. Tudo se misturou. Minhas incapacidades, meus medos,
até que o desalento me pegou, numa história que você conhece em parte.
Aconteceu, então, o banho de mar. A esperança renasceu e ousei viver o que
nunca tive. Hoje sei que possuo forças para recriar a minha vida, a nossa vida,
de um modo sem tantos desconfortos entre o que somos e o que nos obrigam a ser.
Não tenho como evitar mais essa dor. Preciso me separar do seu pai para ser
livre. Para ir e vir, como os homens. Errar e acertar como eles, sem ter que
mentir, sem ter que abaixar os olhos e dizer sim, senhor, quando minha vontade é outra. Muita coisa triste
ainda pode acontecer. Posso ficar trancada por um longo tempo no quarto ou em
outro lugar. Mas confie. Tudo passará. Conseguirei minha liberdade e estaremos
juntas de novo.
Páscoa
inclina-se. A dor da cabeça escorrega para os olhos durante o movimento. Beija
a testa da menina, que a alcança pelo ombro com a mão.
--
Deita aqui até ele chegar.
Lágrimas rolam pela face da mãe, que se estende ao lado da filha.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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