CORAÇÕES ALHEIOS À RAZÃO
Diante de Grego, o coração de
Páscoa bate forte, como se nenhum silêncio houvera entre os dois, ou se ela não
se empenhasse em ignorar essa atração. O coração de Grego também bate
indiferentemente aos entendimentos da razão. Depois da ópera, quando a viu sair
de braço dado com o marido, pesou-lhe o pleno-vazio desse amor que lhe escapa
antes mesmo de ser vivido, por causa das complicações que encerra. Achou que não valeria
a pena complicar a vida dela, nem a sua, e decidiu não procurá-la mais. Porém, a emoção do reencontro o incita a resgatar o possível.
Quitéria não gosta desse acaso.
Sofia apossa-se do braço da mãe, ressabiada, e o livreiro, com o troco na mão,
observa o recém-chegado: o olhar que ele dá à cliente, a luz que brilha no
dela, o que um diz e o que o outro acrescenta.
-- Tenho trabalhado muito.
-- Imagino que sim.
-- Venho de um cliente.
-- Decidimos parar para ver os
livros.
-- E eu, cortar caminho por aqui.
Grego vê as costas do livro que
Páscoa segura.
-- Pelo visto, achou algo
interessante.
Sem mostrar, responde que é
apenas um romance.
E
que romance,
retruca o livreiro consigo mesmo.
-- Vamos, mãe, diz Sofia.
-- Posso acompanhá-las?
-- Se não for afastá-lo dos seus
compromissos.
-- Não carece. Só vamos ao
boticário, explica Quitéria.
-- Será uma satisfação segurar as
compras das senhoras.
Troco recebido, o grupo se move,
sob o olhar do livreiro: Ah, o amor!
Durante o trajeto, Grego percebe a dificuldade de um
momento a sós com Páscoa diante da marcação cerrada de Sofia e do passo
apressado de Quitéria, que acelera o deslocamento. Chegam à botica. Que bom! Ainda está aberta. Não voltarão
para casa de mãos vazias. Terão como justificar o atraso para Herculano se for
preciso.
Enquanto aguarda as compras, Grego escreve um
bilhete: será uma satisfação despedir-me da senhora. Quarta-feira, às 14h,
no portão principal do Jardim Botânico. Em seguida, põe a mensagem dentro
de Bovary que Páscoa deixara sobre o balcão, ao lado da sua pequena bolsa e com
a capa virada para baixo. Curioso em conhecer a escolha, desvira o romance e
entende a resposta evasiva ao seu interesse na obra. Avalia o conteúdo nada
recomendado para quem corteja uma aventura extraconjugal. A irresponsabilidade
de seus avanços sobre a mulher se apresenta uma vez mais. Apaga as
lamparinas do juízo e se rende ao desejo, vestido do entendimento de que quer
apenas se despedir dela, como um cavalheiro faria e como ambos merecem, desde que está de partida com a companhia lírica. Repõe o
livro do jeito que o encontrou e espera o desenrolar das compras.
Ao sair da loja, o cortejo se movimenta para pegar o
bonde. Ao dobrar a esquina, são detidos por um rapaz.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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