NEM SOB A PROTEÇÃO DE IANSÃ
Durante
o jantar, Páscoa se esforça para relatar a ida à cidade, em tom natural, sob o
prisma dos interesses do marido. Fala sobre o trânsito lento, as ruas abertas
pelas obras e os passeios tomados pelos entulhos das demolições. Herculano
critica a quantia paga pelo governo aos imóveis desapropriados.
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Muito aquém do que valem! Contratei um advogado para discutir na justiça o
valor da indenização dos nossos.
Páscoa
se interessa pelo assunto, em saber o que ainda dispõe da herança da qual
faziam parte os imóveis desapropriados na Avenida Central. Mas o tema é uma
seara delicada diante dos brios de Herculano. Atém-se ao exposto pelo marido.
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São boas as chances?
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Ainda em estudo. Comprou tudo o que precisava para Sofia?
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Sim. Terá um belo enxoval, comenta, sem ignorar a dificuldade de Herculano para
inteirá-la das questões que também dizem respeito a ela.
Pousados
ora no pai, ora na mãe, os olhos de Sofia acompanham satisfeitos o desenrolar
da conversa tranquila.
Ao
final do jantar, todos se levantam para o café, sempre servido na sala de
estar. O inesperado se apresenta nessa hora sossegada: Herculano estende a
Páscoa filipetas, nas quais ela reconhece o minúsculo desenho de um teatro.
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O que é isso?
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Veja você mesma.
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Ingressos para o Theatro Lyrico!
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No sábado, iremos assistir à estreia de uma renomada companhia internacional.
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Eu também vou?
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Não. Ópera é para adultos, diz Herculano e desvia o olhar da filha para a
expressão apreensiva da esposa. -- Por que se preocupa? Não lhe agrada o canto
lírico?
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Muito. Mas será que não é cedo para eu sair? Imagino que haverá tanta gente...
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Parece-me bem disposta, a julgar o que fez hoje. Espero que continue assim. A
ópera é meu presente de aniversário.
Páscoa
está pasmada com a súbita demonstração de afeto do marido, sempre tão árido e
desatento a datas. Assombra-a também essa circunstância inesperada, que pode pôr
Herculano cara a cara com Grego.
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Obrigada. Estou sem palavras.
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Se achar necessário, compre um belo vestido. Esteja à altura da ocasião.
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Verei a conveniência.
Sofia
também quer presentear a mãe. Ao recolher-se em seu quarto, abre uma caixa por
onde escapam conchinhas. Confiante, a pequena sorri.
Já
na cozinha, um resistente diálogo acontece em voz baixa ao lado do fogão de
lenha. Quitéria tenta se afastar, mas Páscoa se interpõe e lhe breca a
passagem.
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Quer que Herculano o veja?
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Nem sob a proteção de Iansã!
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Pois então vá até lá e avise Grego que estaremos na estreia.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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