segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Capítulo Dez

AO RESSOAR OCEÂNICO


Ao longo dos próximos dias, Páscoa desperta um pouco mais para a vida. Às vezes um movimento simples e banal, como o de girar a cabeça ou virar de lado, remete seus pensamentos para o fluxo e refluxo das águas sobre seu corpo, enlaçado ao do banhista. Repete o movimento com vagar, para ampliar a memória do ir e vir sob a força das ondas. Outras vezes, quase adormecida, ouve o rumor do mar como a voz do seu destino. Ainda que em sonho, quer viver suas emoções mais secretas. Mergulha nas vagas brancas do lençol e dos travesseiros, entregue ao ressoar oceânico. 
Nova manhã. Tobias empacota mantimentos sobre o balcão de olho no banhista, que se esgueira rente à parede em direção à porta, de onde avista a frente do sobrado. Uma janela no segundo andar está fechada em meio a todas as outras abertas.
-- O povo tá falando que o médico dispensou seus serviços.
-- Acontece.
-- Dizem que nem na clínica do Dr. Magalhães arruma serviço mais.
-- Não vivo do mar.
-- Mas o cerco tá montado. Tião do Congo sondou sobre você. Falei o que acho: gente de bem, vem e vai sem criar confusão.
-- Obrigado.
-- Não tem que agradecer. Fez o que fez e na razão. Não se vira uma mulher de cabeça pra baixo, muito menos no mar. Foi o que eu disse.
-- Daqui a pouco tudo se aquieta.
-- Enquanto não, saia da vista. Não arraste o que deve ficar pra trás. 
O aconselhado não responde. Talvez siga o conselho, se a luz da razão romper o nevoeiro da emoção.  Volta a olhar para a janela fechada. Suspeita que lá esteja o saudoso corpo que acolheu em seus braços. 


Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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