domingo, 23 de novembro de 2014

Capítulo Três

NATUREZA FEMININA EM COLAPSO


Há cinco semanas Herculano procurara Dr. Eugênio, atormentado com o desalento da mulher. A primeira consulta se realizou na casa da família, em Botafogo, e as demais nesse sobrado, no arraial de Copacabana, onde Páscoa nasceu e está em tratamento. Agora, na sala, o Capitão questiona o médico a ausência de um diagnóstico.
– Como não há? – Reage Dr. Eugênio com empáfia.
– Agradeço se puder saber qual é.
– Vossa esposa sofre do que chamo de natureza feminina em colapso.
A tensão de Herculano colide com a couraça de sua impassibilidade.
– Apreciaria conhecer os fundamentos do vosso parecer.
– Já ouviu falar na ciência da frenologia?
– O estudo do caráter e das capacidades mentais pelo formato da cabeça.
– E tamanho. A parte frontal associa-se às funções intelectuais e costuma ser maior nos homens, como acontece comigo e com o senhor. Já a parte posterior, geralmente mais volumosa nas mulheres, relaciona-se às faculdades afetivas. 
– A testa de Páscoa é larga...
– E a cabeça grande. Decerto um todo harmonioso, mas revelador de um cérebro problemático para um corpo feminino. Daí a prostração. De tão incitadas pelas funções intelectuais, as faculdades afetivas entraram em colapso, entendeu?
Herculano teme que o médico esteja certo. Pois, até cair nesta prostração, Páscoa era dada a questionar a ordem das coisas, não de modo ríspido, mas manso e insistente, o que podia ser um sinal das funções intelectuais em desalinho. E reconhece na maternidade conturbada evidências das funções afetivas comprometidas. A gravidez decorreu com períodos de tristeza e Páscoa chorou após o nascimento da filha. Teve vez que suou frio e tremeu ao banhar a menina. Depois passou, mas um quê de desalento ficou que lhe pareceu uma falta de disciplina para encarar a vida como ela é.
– Arrastará para sempre esse desequilíbrio?
– Não, se depender de mim. O susto que ela tomará no mar irá sará-la de vez.
– Em que isso afetará o tamanho do cérebro?
– Em nada, mas o seu interior será organizado. Esvaziará a mente de D. Páscoa, que ouvirá a voz da razão para sempre.
A exibição da mulher doente, o próprio banho, constrange Herculano.
– Ela está tão debilitada. Não será conveniente adiar um pouco mais a prescrição?
– Jamais! Naquela cama há uma pequena tirana pronta para desafiar a lei da natureza. Ademais, D. Páscoa frequentou a escola e estudos americanos atestam que metade das mulheres, com problema similar, possui elevada educação.  
– Minha esposa aprendeu disciplinas afetas à vida do lar e conhecimentos gerais. 
– O suficiente para desequilibrar seu cérebro problemático. E há outro ponto a ser considerado que exige do senhor franqueza científica.
– Pois não.
– Como descreve as reações da sua mulher durante o coito: de passiva abnegação ou de agitações sensuais?
A pergunta soa descabida e invasiva, ao mesmo tempo em que lembranças das aspirações de prazer de Páscoa vêm à mente de Herculano.
– O que essa particularidade tem a ver com o caso de tristeza, Dr. Eugênio?
– Tudo. As exigências despóticas do útero podem estar atiçando a mente da vossa mulher. Se o senhor atende às demandas decorrentes, perderá o controle por completo sobre a saúde física e moral do seu casamento. Cuide-se, pois.
– Não tenho a minha esposa como um brinquedinho voluptuoso.
– Atitude sábia. Seja sábio também agora e acate a prescrição. É rápida, indolor e eficaz até para os distúrbios do ventre.
O Capitão balança a cabeça afirmativamente, mas está incerto se irá permitir o banho de mar.

     


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