O TEMPO CERTO
Novo
dia. Herculano parte no coche levado por Tião, em direção à estação do bonde,
construída no miolo do arraial. Lá embarcará para Botafogo e só retornará no
próximo domingo de noite. Pouco depois, no sobrado, Sofia caminha pelo
corredor, de camisola, cabelos soltos e o rosto arredondado por uma curiosa
expectativa. Alcança a porta do quarto de Páscoa e leva a mão à maçaneta.
Quitéria chega.
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Chispa daí.
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Quero ver minha mãe!
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Depois, ela tá descansando.
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Mais?!
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É. Mais. Anda. Vá lavar o rosto, trocar de roupa e tomar café.
Quitéria
entra no aposento e fecha a porta atrás de si. Sofia faz beiço e se amua, mas
logo se esquece da malcriação e se põe a andar balançando os braços de um lado
para o outro, como se tomasse banho de mar. A sedução das ondas substituiu o
desejo de estar com a mãe e a empurra corredor
afora. Para cima, para baixo, seu corpinho ganha e perde altura, sobe e desce
em movimento contínuo. E a menina que estava ali, nesse momento, já não está
mais; está lá fora, com as mãozinhas grudadas nas ripas da cerca de madeira que
separam o sobrado da rua, da praia, do mar.
O
banhista e Pã surgem. O rosto de Sofia se ilumina. Porém uma dúvida palpita:
deve evitar esse homem que enfureceu o pai e o médico ou conversar com quem
ofereceu à mãe o deslumbramento que viu? Decide-se, encorajada pelo sorriso dele.
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Mamãe acordou!
A
boa nova desanuvia a alma ansiosa por notícias.
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Como ela está?
--
Já disse: acordada.
O
banhista ri. Pã late. E Tião aparece. Não gosta do que vê. Manda Sofia entrar,
mas ela apenas sacode o corpo e fica. O
banhista adianta-se.
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Vim saber da senhora.
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Não carece a atenção. Sofia, pra dentro.
A
menina dá dois passos e para novamente. O banhista insiste.
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Posso ajudar de alguma forma?
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A família dispensa.
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Sofia, o que você tá fazendo aí fora? Já pra dentro, ordena Quitéria da porta
do sobrado, com o cenho franzido e os olhos de través para o banhista.
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Tô indo.
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Pois então apresse o passo.
Embaraçada,
Sofia acena um adeus furtivo.
--
Passar bem, senhorinha.
A
menina empina o queixo e passa esticadinha, pisando duro, ao lado da ama, que a
segue. A porta do sobrado se fecha. Os homens se olham.
--
Toma rumo, moço. É o melhor que faz.
O
banhista entende o conselho. Deve sair dali e deixar aquela criatura em paz. É
mulher de bem, casada e com um militar. Mas a emoção cresta a pele, nubla a
mente do corpo, encantado pela sereia. Quer ouvir de perto a voz desconhecida,
mergulhar um instante a mais nas águas negras do seu olhar e só depois decidir
o que fazer. Aguardará o tempo certo. Assovia para Pã e se afasta, ouvindo a
voz de Tião:
--
Cuide por onde anda. Aqui não é o seu lugar.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by
Maria Tereza O. S. Campos
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