segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Capítulo Nove

O TEMPO CERTO


Novo dia. Herculano parte no coche levado por Tião, em direção à estação do bonde, construída no miolo do arraial. Lá embarcará para Botafogo e só retornará no próximo domingo de noite. Pouco depois, no sobrado, Sofia caminha pelo corredor, de camisola, cabelos soltos e o rosto arredondado por uma curiosa expectativa. Alcança a porta do quarto de Páscoa e leva a mão à maçaneta. Quitéria chega.
-- Chispa daí.
-- Quero ver minha mãe!
-- Depois, ela tá descansando.
-- Mais?!
-- É. Mais. Anda. Vá lavar o rosto, trocar de roupa e tomar café.
Quitéria entra no aposento e fecha a porta atrás de si. Sofia faz beiço e se amua, mas logo se esquece da malcriação e se põe a andar balançando os braços de um lado para o outro, como se tomasse banho de mar. A sedução das ondas substituiu o desejo de estar com a mãe e a empurra corredor afora. Para cima, para baixo, seu corpinho ganha e perde altura, sobe e desce em movimento contínuo. E a menina que estava ali, nesse momento, já não está mais; está lá fora, com as mãozinhas grudadas nas ripas da cerca de madeira que separam o sobrado da rua, da praia, do mar.
O banhista e Pã surgem. O rosto de Sofia se ilumina. Porém uma dúvida palpita: deve evitar esse homem que enfureceu o pai e o médico ou conversar com quem ofereceu à mãe o deslumbramento que viu? Decide-se, encorajada pelo sorriso dele.
-- Mamãe acordou!
A boa nova desanuvia a alma ansiosa por notícias.
-- Como ela está?
-- Já disse: acordada.
O banhista ri. Pã late. E Tião aparece. Não gosta do que vê. Manda Sofia entrar, mas ela apenas sacode o corpo e fica.  O banhista adianta-se.
-- Vim saber da senhora.
-- Não carece a atenção. Sofia, pra dentro.
A menina dá dois passos e para novamente. O banhista insiste.
-- Posso ajudar de alguma forma?
-- A família dispensa.
-- Sofia, o que você tá fazendo aí fora? Já pra dentro, ordena Quitéria da porta do sobrado, com o cenho franzido e os olhos de través para o banhista.
-- Tô indo.
-- Pois então apresse o passo.
Embaraçada, Sofia acena um adeus furtivo.
-- Passar bem, senhorinha.
A menina empina o queixo e passa esticadinha, pisando duro, ao lado da ama, que a segue. A porta do sobrado se fecha. Os homens se olham.
-- Toma rumo, moço. É o melhor que faz.
O banhista entende o conselho. Deve sair dali e deixar aquela criatura em paz. É mulher de bem, casada e com um militar. Mas a emoção cresta a pele, nubla a mente do corpo, encantado pela sereia. Quer ouvir de perto a voz desconhecida, mergulhar um instante a mais nas águas negras do seu olhar e só depois decidir o que fazer. Aguardará o tempo certo. Assovia para Pã e se afasta, ouvindo a voz de Tião:
-- Cuide por onde anda. Aqui não é o seu lugar.


Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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