segunda-feira, 11 de maio de 2015

Capítulo Cinquenta e Seis

DE ARTICULAÇÕES


Autoridades e convidados se reúnem na Avenida Central. Folhagens e bandeiras hasteadas decoram o espaço, onde um equipamento moderno está no centro. Sobre os montes de escombros do entorno, operários e curiosos espiam o evento, que conta com a cobertura da imprensa.
Rodrigues Alves discursa, descerra a placa fixada numa pedra de granito, que registra neste oito de março de 1904 o início da reforma da Avenida Central. Em seguida, liga o motor de um possante perfurador. Barulho e muita poeira fluem em meio dos aplausos. Depois é a vez de Muller trabalhar com a britadeira. Tudo se repete: poeira, barulho e palmas para a modernidade a caminho da cidade.
Theodoro acompanha o evento, atento aos populares. Receia tumultos e não vê a hora do presidente retornar para o Palácio, onde um almoço coroará as comemorações. Tão logo o chefe da nação parte, consegue ir sozinho com Rio Branco no coche do ministro que acaba de chegar de uma viagem diplomática. Na primeira oportunidade, parabeniza-o pela iniciativa de firmar uma aliança militar com o Equador, no caso de haver um conflito armado entre o Brasil e o Peru. O ministro se surpreende.
-- Pensei que esse assunto ainda fosse confidencial.
Theodoro percebe que errou ao escolher o tema como introdução do que quer abordar. Em tom de cumplicidade humorada, contorna a situação.
-- Ainda é, barão. Mas não posso abster-me de cumprimentá-lo. Parabéns. Não poderia ter identificado um aliado melhor para nossas questões de fronteiras.
-- Cortês, como o pai! Mas poupe lisonjas. Apenas iniciamos as tratativas.
-- Com boas perspectivas de êxito. Afinal o Equador tem uma rixa territorial antiga com o Peru.
-- Como sempre, atento a tudo.
-- E preocupado. Penso se os melhores militares estão de fato a proteger o Acre.
-- Com base em quê diz isso?
-- Nos oficiais intermediários convocados. O capitão Herculano Dias, professor de Táticas da Escola da Praia Vermelha ficou de fora. Distinguiu-se em Canudos e tem aptidões para o diálogo.
-- Boa combinação de atributos para integrar uma ocupação militar.
-- Por isso minha lembrança e ao senhor. Temi que Argolo considerasse uma ingerência nos assuntos do seu ministério.
-- Fez bem. Falarei com o ministro acerca desse oficial.
-- Como o senhor mesmo diz, nós não podemos ser ingênuos com relação à nossa integridade territorial. A guerra entre o Japão e a Rússia é um alerta.
-- Exato. Temos de ter sempre em perspectiva a cobiça e o mapa do mundo. Com grande parte da Ásia e a África partilhada entre as potências mundiais, sobra a América Central e a do Sul. Matéria-prima de menos e população demais atiçam o desejo por terras e outras riquezas alheias.
-- Sobreviver quem puder e dominar quem puder. É a lei.
-- O mundo dos mais capazes.
Num coche mais atrás, Argolo, recém-chegado do Acre, ouve Costallat reportar sobre o discurso de Herculano e a visita de Theodoro. Revela insatisfação em saber da ingerência do secretário de governo na pasta da Escola, concorda com a ausência de punição para não pôr em risco os ânimos na Escola, porém recomenda que o Capitão Dias seja advertido quanto à inadequação do seu arroubo patriótico.
Costallat cumpre a determinação. Orienta Herculano a não deixar mais a emoção comprometer o seu comportamento militar. O Capitão, por sua vez, aproveita o ensejo para sondar o potencial conspiratório do superior.
-- O fato não se repetirá. Discursei em momento de comoção com os despejados. Não depusemos a monarquia para ampliar o privilégio de uma minoria bem nascida nem para agravar as condições de vida da maioria humilde.
-- Somos preparados para lidar com situações difíceis, Capitão. Melhor que não manche seu histórico de oficial com outra comoção.
-- Perfeitamente, senhor.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


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