A CAÇA CAIU NA ARMADILHA
Desde que soube da notícia da gravidez de
Catarina, Theodoro luta contra as desconfianças de não saber até onde a mulher
foi para realizar o desejo de terem um filho. Julga suas desconfianças estúpidas,
conservadoras, ainda mais que o banho de mar se mostrou terapêutico.
Algo mais o estorva ao
coche que o leva para casa ao final de um dia de agenda cheia. Após assinar a
esperada participação acionária, decidiu celebrar o feito no Clube dos Diários.
Entre amigos, soube que Ninon está de partida para a Europa rumo ao encontro de
um antigo amante. O sangue esquentou. Não se conformou com a notícia nem com a
zombaria que se seguiu de não ter conhecido as crepitações na cama dela. E
nesse instante, no coche, não se conforma com a própria irritação se vive a
satisfação de triunfos mais significativos. Escarnece da cortesã, em pensamentos, e imagina o amante dela como um decrépito
de ganso muxibento que a tomará para ser sua bengala. Que vá, farão um mútuo
bem: o braço de um apoiará o outro a andar. Tenho a puta que quiser que faz o
que quero e sem falar.
Porém, o escárnio tem
efeito contrário. Como as modernas escavadeiras alemãs, usadas nas obras da
Avenida Central, abocanha e remove as empedradas emoções: de fome da posse
negada, de humilhação com as zombarias de ter sido preterido por um
estrangeiro. Decide transformar a derrota em vitória. Na primeira hora do dia
seguinte, envia para a cortesã uma mensagem: pode me receber hoje à noite?
Feliz em perceber que a
caça caiu na armadilha, Ninon responde o bilhete: venha jantar comigo. Em
seguida, prepara a grande entrega. Dedica a si o mais caprichado cuidado,
providencia para que a aprimorada arrumação dos seus aposentos evoque a viagem;
monta o cardápio da ceia, escolhe bebidas e, quando tudo está organizado,
imprime o seu toque pessoal ao cenário da trama.
Soledad introduz
Theodoro na sala contígua à alcova de Ninon, repleta de bagagens, e sai.
Transcorrem minutos de tensa esgrima mental com as malas.
A belíssima surge.
-- Que alegria revê-lo,
diz.
Caminham em direção um
do outro. Ninon estende a mão para Theodoro, que a toma, bem como enlaça a
cintura dela e a traz para junto do seu corpo.
-- Ui!
A exclamação feminina é
abafada com um beijo na boca. Durante um átimo, os lábios dela não se ajustam
aos dele. Não por rejeição, mas, sim, por surpresa com tamanha voluptuosidade.
Contudo, descortinada a percepção de que aquele beijo entrará para o rol dos
bons, espraiada para as mais íntimas partes a sensação prazerosa da boca,
passada a surpresa inicial, os lábios se coadunam em comum voracidade. Theodoro
começa a despi-la, a mostrar a que veio e como será a ordem da programação.
Tudo bem entendido, o casal se consome até a exaustação, sem nenhum dos dois
mencionar a pretensa viagem nem a longa corte, que retardou o deleite vivido.
Quando Ninon acorda, o leito
está vazio. Sorri para a marca da cabeça no travesseiro ao lado, para o repuxo
do lençol, para a constatação de que se Theodoro a tivesse agarrado há mais
tempo com a mesma ousadia da véspera, com certeza, teria sido tão bem-sucedido
como foi na noite anterior. Mas quis o destino que a coroa de louros fosse lhe
dada no momento mais conveniente para si mesma. Inevitável não pensar na
duração desse reinado: uma estação, duas, três, quantas? À tarde, recebe
flores com o cartão: estarei com você logo mais. Theodoro retorna e não
encontra na antessala nenhuma caixa de chapéu e menos ainda baús de viagem.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S.
Campos
Copyright
de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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