quinta-feira, 21 de maio de 2015

Capítulo Sessenta e Cinco

A CAÇA CAIU NA ARMADILHA


Desde que soube da notícia da gravidez de Catarina, Theodoro luta contra as desconfianças de não saber até onde a mulher foi para realizar o desejo de terem um filho. Julga suas desconfianças estúpidas, conservadoras, ainda mais que o banho de mar se mostrou terapêutico.
Algo mais o estorva ao coche que o leva para casa ao final de um dia de agenda cheia. Após assinar a esperada participação acionária, decidiu celebrar o feito no Clube dos Diários. Entre amigos, soube que Ninon está de partida para a Europa rumo ao encontro de um antigo amante. O sangue esquentou. Não se conformou com a notícia nem com a zombaria que se seguiu de não ter conhecido as crepitações na cama dela. E nesse instante, no coche, não se conforma com a própria irritação se vive a satisfação de triunfos mais significativos. Escarnece da cortesã, em pensamentos, e imagina o amante dela como um decrépito de ganso muxibento que a tomará para ser sua bengala. Que vá, farão um mútuo bem: o braço de um apoiará o outro a andar. Tenho a puta que quiser que faz o que quero e sem falar.
Porém, o escárnio tem efeito contrário. Como as modernas escavadeiras alemãs, usadas nas obras da Avenida Central, abocanha e remove as empedradas emoções: de fome da posse negada, de humilhação com as zombarias de ter sido preterido por um estrangeiro. Decide transformar a derrota em vitória. Na primeira hora do dia seguinte, envia para a cortesã uma mensagem: pode me receber hoje à noite?
Feliz em perceber que a caça caiu na armadilha, Ninon responde o bilhete: venha jantar comigo. Em seguida, prepara a grande entrega. Dedica a si o mais caprichado cuidado, providencia para que a aprimorada arrumação dos seus aposentos evoque a viagem; monta o cardápio da ceia, escolhe bebidas e, quando tudo está organizado, imprime o seu toque pessoal ao cenário da trama.
Soledad introduz Theodoro na sala contígua à alcova de Ninon, repleta de bagagens, e sai. Transcorrem minutos de tensa esgrima mental com as malas.
A belíssima surge.
-- Que alegria revê-lo, diz.
Caminham em direção um do outro. Ninon estende a mão para Theodoro, que a toma, bem como enlaça a cintura dela e a traz para junto do seu corpo.
-- Ui!
A exclamação feminina é abafada com um beijo na boca. Durante um átimo, os lábios dela não se ajustam aos dele. Não por rejeição, mas, sim, por surpresa com tamanha voluptuosidade. Contudo, descortinada a percepção de que aquele beijo entrará para o rol dos bons, espraiada para as mais íntimas partes a sensação prazerosa da boca, passada a surpresa inicial, os lábios se coadunam em comum voracidade. Theodoro começa a despi-la, a mostrar a que veio e como será a ordem da programação. Tudo bem entendido, o casal se consome até a exaustação, sem nenhum dos dois mencionar a pretensa viagem nem a longa corte, que retardou o deleite vivido.
Quando Ninon acorda, o leito está vazio. Sorri para a marca da cabeça no travesseiro ao lado, para o repuxo do lençol, para a constatação de que se Theodoro a tivesse agarrado há mais tempo com a mesma ousadia da véspera, com certeza, teria sido tão bem-sucedido como foi na noite anterior. Mas quis o destino que a coroa de louros fosse lhe dada no momento mais conveniente para si mesma. Inevitável não pensar na duração desse reinado: uma estação, duas, três, quantas? À tarde, recebe flores com o cartão: estarei com você logo mais. Theodoro retorna e não encontra na antessala nenhuma caixa de chapéu e menos ainda baús de viagem.
  
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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