quinta-feira, 9 de abril de 2015

Capítulo Trinta e Quatro

REUNIÃO PRESIDENCIAL


Theodoro esbanja humor a espera do início de uma reunião com Rodrigues Alves. E o faz de caso pensado para exercer influência futura na sua plateia, formada pelo ministro da Indústria, Viação e Obras, o engenheiro militar Lauro Müller, de quarenta anos, e pelo Diretor de Saúde, o médico higienista Oswaldo Cruz, de trinta e um. Considera esse um idealista afoito e tenta o envaidecer, enquanto diverte aquele, que acha um nacionalista enrustido, perigoso aos seus interesses. Imbuído de tal proposito, relata a entrevista dada horas antes pelo presidente, em companhia de Cruz, a Dimas Reis, jornalista conhecido por embaraçar políticos. Ora como o entrevistado, ora como o entrevistador, explora as nuances do gestual de cada um enquanto conta que Dimas desenterrou o fato, bastante divulgado na época, de que o prefeito Pereira Passos e Oswaldo Cruz haviam condicionados o aceite do cargo à completa liberdade de ação, sem interferências políticas.
-- Muitos enxergam nessa liberdade um poder excepcional, não consonante com uma República representativa, disse o Dimas. O presidente o fitou...
-- Com aquele olhar faiscando objetividade, enfatiza Cruz, sentado à ponta da sólida mesa de reunião e com o prazer a colorir seu rosto de traços fortes, marcado ainda pela basta cabeleira e pelo respeitável bigode.
O esclarecimento reforça a interpretação de Theodoro na pele do presidente.
-- Se o Congresso desempenha suas funções e aprovou esse poder, tudo está dentro da legalidade. Ademais só com autoridade o Prefeito e os Ministros podem triunfar na missão que lhes deleguei.
-- Boa resposta, diz Müller, acariciando o cavanhaque e com ar de que vê a cena.
-- O melhor está por vir, avisa Oswaldo.
Sim, porque sabe como o Dimas é marrento. Insistiu, dizendo que o prefeito e todos nós agíamos como se fossemos o chefe da nação. Não deu outra. Sem titubear, o presidente respondeu que era algo parecido o que acontecia e que não podia ser diferente. Aí com aquela fina ironia que bem conhece, sentenciou: todos da minha equipe estão aptos a sentar-se na cadeira que eu ocupo e suas respectivas pastas são uma fração da responsabilidade da minha. Há de ter então poder de decisão.
-- Hun! Enaltecedor. Realmente, fazemos tudo o que queremos. Mas o mais correto é dizer que não fazemos nada que ele não queira, observa Müller numa cadência tonal e expressão facial que acentua sua espirituosidade.
Todos riem – e Theodoro ainda perscruta a fisionomia de Müller, incerto de quanto o comentário revela obediência à hierarquia. A porta se abre e Rodrigues Alves entra, seguido por Pereira Passos, de sessenta e oito anos, e pelo ministro Joaquim José Seabra, de quarenta e nove. Cumprimentos trocados, assentos tomados, preliminares faladas, o presidente informa que sancionou a reorganização dos serviços de higiene da União e aborda o foco da reunião: as demolições na Avenida Central.
-- Proponho a operação para logo após o carnaval. Acham o prazo adequado?
A concordância é unânime e o presidente prossegue.
-- Ótimo. Friso que essa data é de conhecimento exclusivo dos senhores e assim deve permanecer até a conclusão dos preparativos para as demolições. Sugiro que aproveitem o momento para discutir onde o trabalho de um depende do outro a fim de que interdependências sejam administradas e possam garantir uma operação célere e eficiente. Por eficiência, entendo também uma correta cobertura da imprensa e ausência de distúrbios. Algum parecer acerca do meu entendimento, Dr. Theodoro?
-- Somente o meu endosso, presidente.
-- Muito bom. Acompanharei a evolução das atividades nos despachos individuais ou em conjunto quando necessário. Alguma dúvida?
O grupo responde não.
-- Deixo então os senhores para que prossigam os trabalhos.
O presidente se retira e o grupo se atualiza das agendas de cada um. Passos prevê o término dos processos das desapropriações e da entrega final da ordem dos despejos em um mês. Com a mesma segurança, Cruz declara ser possível concluir também em trinta dias o levantamento dos imóveis insalubres que devem ser demolidos. Ninguém fala em impactos na população, exceto Theodoro que sugere a inclusão das edificações combalidas no calendário da operação.
-- É sempre melhor fazer o pior de uma vez só, enfatiza.
-- Infelizmente, nesse caso específico, teremos de esperar a instauração da Justiça Sanitária para autorizar o que virá abaixo, adverte o ministro da Justiça.
-- Urge que o presidente designe o Juiz nos próximos dias, avalia Oswaldo.
-- Se não houver queda de braços pelo cargo...
-- Cuidarei para que não haja, prontifica-se Theodoro.
-- Porém temos de pensar no prazo para a análise dos processos e a expedição desses mandatos, acrescenta Seabra que começa a revelar incomodo com a pressa.
-- Dê-me logo o juiz que tudo será realizado também em trinta dias, compromete-se Oswaldo.
-- Agradeço o pronto repasse das desconformidades identificadas.
-- Com certeza, senhor Prefeito. Terá inclusive informações sobre terrenos vazios e imóveis mal ocupados.
-- Excelente. As diretorias de Patrimônio e Obras terão meios para certificar a atualização dos registros prediais e acelerar a expedição de taxas e avisos necessários.
Seabra receia a indiferença despertada pelos seus conselhos e insiste na cautela.
-- Esperem pela regulamentação do Código. Lembro que há controvérsias em legislarmos sobre modos de ocupação dos imóveis.
-- Ora, estamos respaldados pela legislação de outros países e o caso é matéria de apreciação da Justiça Sanitária, retruca Oswaldo.
Seabra vira o rosto e fita Theodoro.
-- Será essa a visão da oposição?
-- Tenho trabalhado para que seja, e posso providenciar a divulgação das legislações estrangeiras, além de artigos que expliquem as razões profiláticas de excluir práticas rurais do perímetro urbano.
O prefeito gosta da iniciativa e pede a inclusão também de matérias que defendam o imposto sobre o terreno baldio e outras que elucidem as perdas para o progresso de haver moradia em pavimentos térreos, apropriados ao comércio.
-- Isso no que diz respeito ao centro urbano, esclarece.
Muller quieto até então confirma os números da operação planejada.
-- Mantenho a estimativa de 650 demolições na Avenida?
-- Sim. Os imóveis insalubres da região entram no meu planejamento. Já tem esse cálculo fechado, Oswaldo?
-- Cerca de 300, a princípio.
-- De modo escalonado, tenho recursos, responde Passos.
-- Seja como for, reforçarei as picaretas e os homens, caso precise de apoio.
-- Obrigado. Aviso, se precisar.
-- Pelo que vejo, a operação será ainda mais rápida e fulminante do que a pensada pelo presidente, comenta Seabra.
-- E em calmaria, acrescenta Theodoro.
-- Oxalá o ouça!
-- Algo mais que minha presença se faça necessária?
-- Da minha parte, não, responde Seabra a Passos.
Com as sucessivas negativas, encerram a reunião e Theodoro se dirige para o próximo compromisso: encontrar-se com Catarina e Valentin para mostrar no local o trabalho fotográfico que convidou o amigo a fazer e os reaproximou novamente. 

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