DILEMA PRESIDENCIAL
Rodrigues
Alves está diante da janela do seu gabinete. O ar grave acentua seus cinquenta
e cinco anos ornados em terno elegante, pincenê de aro de ouro e cabelos
grisalhos. Atrás de si, do outro lado da mesa, Theodoro espera de pé a
continuidade do despacho. Sem se virar, o presidente fala.
-- Acha que
perderemos apoio?
O secretário de
governo mede as palavras.
-- Não no curto
prazo.
-- Receia que eu
não possa influir no processo da sucessão presidencial?
-- É meu dever
aventar cenários possíveis.
-- E ser mais
específico.
-- Temo a
coligação em torno de um nome favorável à defesa do café.
Rodrigues Alves pensa
no dilema central do seu cargo e se vira.
-- Ou se governa
para manter as bases do poder ou para fazer a nação avançar. Vamos nos sentar
enquanto estas cadeiras ainda estão a nossa disposição.
Theodoro entende
que o jogo político ficará mais acirrado e não se intimida com o resultado provável
da partida. O prazo de dois anos, até sair das urnas eleitorais o nome do
vencedor, lhe parece razoável para jogar a favor do presidente e desfrutar da sua
inflexibilidade. Espera Rodrigues Alves se sentar, para se acomodar e
prosseguir o relato da reunião de hora atrás com os senadores. Põe em
perspectiva as autorizações legislativas mais urgentes e conta sobre a decisão
tomada.
-- Priorizei a
votação da Justiça Sanitária e recomendei deixar de fora a lei da vacina, se
for necessário.
-- Caso seja
retirada, quando acha que poderemos apresentá-la novamente?
-- Entre março e
junho, no mais tardar.
-- Vê a
possibilidade de que, nesse meio tempo, a bancada paulista consiga condicionar
a aprovação à defesa do café?
-- Precisarão de
um prazo maior para transformar a questão em problema nacional. Aí a pressão
terá outro foco.
-- Faz sentido seu
prognóstico com relação à sucessão presidencial.
-- Conforme
melhora a saúde financeira do país, os cafeicultores parecem menos dispostos a
vencer as crises do setor por meio próprio.
-- Pois que mudem
sua disposição e aprendam a aplicar os lucros na época de vacas magras. Não
somos um Governo providência.
-- Disseminarão
uma visão diferente.
-- Combateremos
com mensagens claras à nação. Nossos compromissos são com o país, não com o que
for melhor para os cafeicultores. Defenderam o federalismo e o têm; contam com
a recuperação do crédito no exterior e estão habilitados para preparar nos
mercados a resistência que julgarem eficazes. Explore essas ideias nos artigos
que contratar.
-- Perfeitamente.
-- Espero que
tenhamos bom resultados amanhã.
-- No mínimo, entregarei
ao senhor a aprovação da Justiça Sanitária.
-- Para o
aspirado, há o possível.
-- Se for esse o
caso, sugiro que a reapresentação da lei da vacina se dê pelas mãos de um senador.
Pouparemos assim o Diretor de Saúde de mais desgastes.
-- Essa é a
missão que deleguei ao senhor. Faça do modo que julgar melhor.
-- Sim, senhor.
-- Algo mais?
-- Não. É tudo
por hoje. Com licença.
Theodoro deixa o
gabinete e, em seguida, o Palácio do Catete. Toma um coche e se dirige ao
Pharoux, onde Catarina o espera para juntos receberem Valentim. Como um
jogador, está concentrado no lance da próxima partida, no que pode acontecer e
em como agir. No cais, desce do carro e caminha até antes do desembarque. Ali,
de longe, localiza a mulher e o empregado. Depois vê os passageiros que chegam
e, entre o grupo, avista Valentim – está bem, conclui. Volta o olhar
para Catarina. Observa a leveza do seu andar, num percurso que o leva a mirar
de novo o amigo: embasbacado. Penetra o desembarque e toma lugar no
reencontro.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by
Maria Tereza O. S. Campos
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