quarta-feira, 1 de abril de 2015

Capítulo Vinte e Nove

DILEMA PRESIDENCIAL


Rodrigues Alves está diante da janela do seu gabinete. O ar grave acentua seus cinquenta e cinco anos ornados em terno elegante, pincenê de aro de ouro e cabelos grisalhos. Atrás de si, do outro lado da mesa, Theodoro espera de pé a continuidade do despacho. Sem se virar, o presidente fala.
-- Acha que perderemos apoio?
O secretário de governo mede as palavras.
-- Não no curto prazo.
-- Receia que eu não possa influir no processo da sucessão presidencial?
-- É meu dever aventar cenários possíveis.
-- E ser mais específico.
-- Temo a coligação em torno de um nome favorável à defesa do café.
Rodrigues Alves pensa no dilema central do seu cargo e se vira.
-- Ou se governa para manter as bases do poder ou para fazer a nação avançar. Vamos nos sentar enquanto estas cadeiras ainda estão a nossa disposição.
Theodoro entende que o jogo político ficará mais acirrado e não se intimida com o resultado provável da partida. O prazo de dois anos, até sair das urnas eleitorais o nome do vencedor, lhe parece razoável para jogar a favor do presidente e desfrutar da sua inflexibilidade. Espera Rodrigues Alves se sentar, para se acomodar e prosseguir o relato da reunião de hora atrás com os senadores. Põe em perspectiva as autorizações legislativas mais urgentes e conta sobre a decisão tomada.  
-- Priorizei a votação da Justiça Sanitária e recomendei deixar de fora a lei da vacina, se for necessário.
-- Caso seja retirada, quando acha que poderemos apresentá-la novamente?
-- Entre março e junho, no mais tardar.
-- Vê a possibilidade de que, nesse meio tempo, a bancada paulista consiga condicionar a aprovação à defesa do café?
-- Precisarão de um prazo maior para transformar a questão em problema nacional. Aí a pressão terá outro foco.
-- Faz sentido seu prognóstico com relação à sucessão presidencial.
-- Conforme melhora a saúde financeira do país, os cafeicultores parecem menos dispostos a vencer as crises do setor por meio próprio.
-- Pois que mudem sua disposição e aprendam a aplicar os lucros na época de vacas magras. Não somos um Governo providência.
-- Disseminarão uma visão diferente.
-- Combateremos com mensagens claras à nação. Nossos compromissos são com o país, não com o que for melhor para os cafeicultores. Defenderam o federalismo e o têm; contam com a recuperação do crédito no exterior e estão habilitados para preparar nos mercados a resistência que julgarem eficazes. Explore essas ideias nos artigos que contratar.
-- Perfeitamente.
-- Espero que tenhamos bom resultados amanhã.
-- No mínimo, entregarei ao senhor a aprovação da Justiça Sanitária.
-- Para o aspirado, há o possível.
-- Se for esse o caso, sugiro que a reapresentação da lei da vacina se dê pelas mãos de um senador. Pouparemos assim o Diretor de Saúde de mais desgastes.
-- Essa é a missão que deleguei ao senhor. Faça do modo que julgar melhor.
-- Sim, senhor.
-- Algo mais?
-- Não. É tudo por hoje. Com licença.
Theodoro deixa o gabinete e, em seguida, o Palácio do Catete. Toma um coche e se dirige ao Pharoux, onde Catarina o espera para juntos receberem Valentim. Como um jogador, está concentrado no lance da próxima partida, no que pode acontecer e em como agir. No cais, desce do carro e caminha até antes do desembarque. Ali, de longe, localiza a mulher e o empregado. Depois vê os passageiros que chegam e, entre o grupo, avista Valentim – está bem, conclui. Volta o olhar para Catarina. Observa a leveza do seu andar, num percurso que o leva a mirar de novo o amigo: embasbacado. Penetra o desembarque e toma lugar no reencontro.


Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos




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