quarta-feira, 1 de abril de 2015

Capítulo Vinte e Sete

ARTICULAÇÕES


Theodoro se reúne com os senadores Manuel Duarte, Alfredo Ellis e Francisco Glicério num prédio da Rua do Ouvidor. Glicério foi um dos políticos suspeitos de conspirar contra a vida de Prudente de Morais. Ellis representa os interesses do café e Duarte, os do governo. A reunião versa sobre Projetos de Lei criados pelo diretor de Saúde, Oswaldo Cruz, que tramitam no Senado e com um já aprovado pela Câmara.
-- Pelas contas, já temos o suficiente para as aprovações de amanhã.
-- É um número apertado, Theodoro, observa Duarte.
-- Precisamos aprovar pelo menos a reforma.
-- Melhor deixar a Casa discutir no tempo dela.
-- Eu concordo, fala Glicério.
-- Alguém vai dar pra trás?
-- Não disse isso. Mas vale a pena levar o barco devagar.
-- Não podemos. De quem precisamos cuidar nas próximas horas?
Ellis faz um muxoxo cético antes de falar
-- Não se trata de quem e sim de como cuidar com os mesmos estímulos.
-- Mas tudo já foi acordado. O que está pegando?
-- A pressão, Theodoro. Há um incômodo com as urgências das aprovações.
-- Não somente, Duarte. Sem discussão, pesa a alcunha de Congresso alugado. E não temos a vacina contra brios feridos, esclarece Glicério.
-- A menos se acenarmos com o preço do café, contrapõe Ellis.
-- Infelizmente, não tenho esse lenço para dar, responde Theodoro.
-- As próximas horas não são suficientes para convencer o Presidente?
-- Verá no pleito uma queda de braço. Não posso encaminhar isso.
-- Theodoro está certo, Ellis. E convenhamos: temos de resolver de outro jeito a questão, não jogar o problema pra cima do governo.
-- Não é hora de pudores, Duarte. O café é a moeda nacional, não pode ser tratado como uma lavoura qualquer. Ou prefere um prejuízo colossal?
-- Há controvérsias e o mercado tende a se reequilibrar.
-- Não com a má vontade do presidente.
Theodoro tenta ajustar o foco do debate.
-- Senhores, essa é uma questão complexa e está pendente o resultado de amanhã.
-- Pois escreva aí: se o governo comprar o excedente da safra e pagar o preço justo do café, o presidente terá todas as medidas que quer aprovadas de uma vez.
-- Não terá, nem pode cobrir um santo e descobrir todo o oratório, retruca Duarte.
-- Mas quem o levou ao poder?
-- Não só o setor.
-- Pois que defenda a agricultura inteira, o que não podemos é ficar à mercê dos especuladores e atravessadores do mercado internacional.
Theodoro interfere de novo.
-- Ellis, o que acha de sacrificar um dos Projetos para confortar as bancadas?
-- Se abre mão da aprovação integral.
-- Alguma coisa é melhor do que nada.
-- Sugiro então retirar a Justiça Sanitária.
-- Prefiro a vacina obrigatória. É mais indigesta, fala Glicério.
-- Não tem como, exclama Duarte. É ponto crucial do combate à varíola.
-- Porém mal vista pelo povo. Já a mão da Justiça alcança apenas os infratores.
-- Fora que quem se sentir lesado pode recorrer ao tribunal sanitário, pondera Theodoro. É isso. Se preciso, tirem da votação a vacina, mas aprovem os demais pontos.
-- Vá lá! Mas avise ao Presidente que o saneamento dos preços do café é também uma questão de saúde pública. Saco vazio não para de pé, fala Ellis.
A reunião caminha para o encerramento, com BV e Abdias a espera do patrão na esquina da Ouvidor. Encostados no coche, os dois observam Expedito Massini atender a um cliente, com seus livros a cobrir parte da calçada, do lado da Gonçalves Dias.
-- Se queres inspiração, recomendo Missivas Apaixonadas. Agora, se ainda estás na fase de despertar a atenção, indico A Arte de fazer sinais. Veja os dois.
O cliente, um jovem pálido, desliza os olhos de um título para o outro.
-- Estão mal conservados.
-- Sinal de que foram bem usados.
Abdias e BV se entreolham com ar zombeteiro.
Theodoro desce a Ouvidor, para num Café, troca amabilidades com o proprietário ao caixa e pede papel e lápis. Atendido, escreve nomes e endereços. Em seguida, despede-se e sai. À Gonçalves Dias, entra no coche, seguido por BV. Sem delongas, entrega o papel ao empregado e o instrui.
-- Passe na Raffinée e providencie três cestas de luxo – reforce vinhos e bombons. Faça com que sejam entregues ainda hoje nesses endereços e cuide dos cartões e dos pagamentos como de costume. Viu aquele assunto?
-- Vi. É tudo uma propriedade só.
-- Confirmou?
-- Na repartição e também no local.
-- Pedi discrição.
-- Tomei as precauções e a benzedeira não me conhece.
-- Josefa, sim.
-- Ó patrão, sou boca de siri. Não disse meu nome nem toquei no de ninguém. Dei até de sonso: perguntei pelo dono, não pela sinhá. Mas a benzedeira não disse nem sim nem não quando sondei se há interesse de venda.
-- Deixe quieto o assunto e esteja amanhã cedo no Senado. É só por hoje.
-- Sim, senhor.
BV desce e o coche parte.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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