ARTICULAÇÕES
Theodoro
se reúne com os senadores Manuel Duarte, Alfredo Ellis e Francisco Glicério num
prédio da Rua do Ouvidor. Glicério foi um dos políticos suspeitos de conspirar
contra a vida de Prudente de Morais. Ellis representa
os interesses do café e Duarte, os do governo. A reunião versa sobre Projetos
de Lei criados pelo diretor de Saúde, Oswaldo Cruz, que tramitam no Senado e com
um já aprovado pela Câmara.
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Pelas contas, já temos o suficiente para as aprovações de amanhã.
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É um número apertado, Theodoro, observa Duarte.
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Precisamos aprovar pelo menos a reforma.
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Melhor deixar a Casa discutir no tempo dela.
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Eu concordo, fala Glicério.
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Alguém vai dar pra trás?
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Não disse isso. Mas vale a pena levar o barco devagar.
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Não podemos. De quem precisamos cuidar nas próximas horas?
Ellis
faz um muxoxo cético antes de falar
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Não se trata de quem e sim de como cuidar com os mesmos estímulos.
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Mas tudo já foi acordado. O que está pegando?
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A pressão, Theodoro. Há um incômodo com as urgências das aprovações.
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Não somente, Duarte. Sem discussão, pesa a alcunha de Congresso alugado. E não
temos a vacina contra brios feridos, esclarece Glicério.
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A menos se acenarmos com o preço do café, contrapõe Ellis.
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Infelizmente, não tenho esse lenço para dar, responde Theodoro.
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As próximas horas não são suficientes para convencer o Presidente?
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Verá no pleito uma queda de braço. Não posso encaminhar isso.
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Theodoro está certo, Ellis. E convenhamos: temos de resolver de outro jeito a
questão, não jogar o problema pra cima do governo.
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Não é hora de pudores, Duarte. O café é a moeda nacional, não pode ser tratado
como uma lavoura qualquer. Ou prefere um prejuízo colossal?
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Há controvérsias e o mercado tende a se reequilibrar.
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Não com a má vontade do presidente.
Theodoro
tenta ajustar o foco do debate.
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Senhores, essa é uma questão complexa e está pendente o resultado de amanhã.
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Pois escreva aí: se o governo comprar o excedente da safra e pagar o preço
justo do café, o presidente terá todas as medidas que quer aprovadas de uma
vez.
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Não terá, nem pode cobrir um santo e descobrir todo o oratório, retruca Duarte.
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Mas quem o levou ao poder?
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Não só o setor.
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Pois que defenda a agricultura inteira, o que não podemos é ficar à mercê dos
especuladores e atravessadores do mercado internacional.
Theodoro
interfere de novo.
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Ellis, o que acha de sacrificar um dos Projetos para confortar as bancadas?
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Se abre mão da aprovação integral.
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Alguma coisa é melhor do que nada.
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Sugiro então retirar a Justiça Sanitária.
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Prefiro a vacina obrigatória. É mais indigesta, fala Glicério.
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Não tem como, exclama Duarte. É ponto crucial do combate à varíola.
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Porém mal vista pelo povo. Já a mão da Justiça alcança apenas os infratores.
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Fora que quem se sentir lesado pode recorrer ao tribunal sanitário, pondera
Theodoro. É isso. Se preciso, tirem da votação a vacina, mas aprovem os demais
pontos.
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Vá lá! Mas avise ao Presidente que o saneamento dos preços do café é também uma
questão de saúde pública. Saco vazio não para de pé, fala Ellis.
A
reunião caminha para o encerramento, com BV e Abdias a espera do patrão na
esquina da Ouvidor. Encostados no coche, os dois observam Expedito Massini
atender a um cliente, com seus livros a cobrir parte da calçada, do lado da
Gonçalves Dias.
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Se queres inspiração, recomendo Missivas Apaixonadas. Agora, se ainda
estás na fase de despertar a atenção, indico A Arte de fazer sinais. Veja
os dois.
O
cliente, um jovem pálido, desliza os olhos de um título para o outro.
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Estão mal conservados.
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Sinal de que foram bem usados.
Abdias
e BV se entreolham com ar zombeteiro.
Theodoro
desce a Ouvidor, para num Café, troca amabilidades com o proprietário ao caixa
e pede papel e lápis. Atendido, escreve nomes e endereços. Em seguida,
despede-se e sai. À Gonçalves Dias, entra no coche, seguido por BV. Sem
delongas, entrega o papel ao empregado e o instrui.
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Passe na Raffinée e providencie três cestas de luxo – reforce vinhos e bombons.
Faça com que sejam entregues ainda hoje nesses endereços e cuide dos cartões e
dos pagamentos como de costume. Viu aquele assunto?
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Vi. É tudo uma propriedade só.
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Confirmou?
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Na repartição e também no local.
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Pedi discrição.
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Tomei as precauções e a benzedeira não me conhece.
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Josefa, sim.
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Ó patrão, sou boca de siri. Não disse meu nome nem toquei no de ninguém. Dei
até de sonso: perguntei pelo dono, não pela sinhá. Mas a benzedeira não disse
nem sim nem não quando sondei se há interesse de venda.
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Deixe quieto o assunto e esteja amanhã cedo no Senado. É só por hoje.
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Sim, senhor.
BV
desce e o coche parte.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by
Maria Tereza O. S. Campos
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