segunda-feira, 13 de abril de 2015

Trinta e Seis

REAÇÕES ÀS LEIS APROVADAS


-- O Brazile! A Tchidate do Rio!
-- Óia A Gazeta! O País! A Alvorada!
-- O Curreio da Manhã já saiu! O Jurnal du Cumércio também.
-- Vem aí os código de higenis do Brasil.
-- Agora é a vera. Nun pode mais cuspi na rua nem ter bicho no quintal.
-- Vedi aqui: há lei nova no Paídze!
Em sotaques e tons diversos, os meninos jornaleiros entoam as manchetes do dia e atraem a atenção dos passantes. Vendas se sucedem, enquanto jornais são lidos no meio da rua, aos balcões dos quiosques e nos bancos dos bondes. Em pouco tempo, o rumor dos detalhes da aprovação das novas Leis Sanitárias circula pela cidade afora. Formam-se o grupo dos contrários e o dos favoráveis às Leis, em sintonia com a opinião dividida da imprensa. Um editorial chama de draconiano o novo código de higiene e acusa o Congresso de conivência com um governo descomprometido com as liberdades civis. Outro saúda o rigor do combate às epidemias e prevê que os regulamentos irão regenerar os costumes locais nos moldes dos hábitos das mais civilizadas nações.
A notícia também atrai a atenção de dois majores lentes da Escola da Praia Vermelha, a espera do início das atividades do dia. Herculano entra na sala e cumprimenta os superiores. Observa os jornais lidos e ocupa seu lugar à mesa, onde compõe a banca do exame oral de alunos em segunda chamada. Agostinho deixa a gazeta de lado, com um esgar reprovador.
-- Esperem reação. Esse Código Sanitário abalará as bases do Governo.
-- Faço votos que não, diz Aurélio, virando a página do seu jornal.
-- Continua um conservador.
-- Como militar, cumpridor da nossa missão de segurança nacional, como cidadão, adepto da concórdia e avesso à ideia de me bater contra patrícios.
Em outra circunstância, Herculano ignoraria essa desavença, que é antiga entre os dois, mas não nos dias atuais. Com a escuta aguçada na conversa, finge conferir a relação dos alunos inscritos no exame. Agostinho prolonga a picardia.
-- A lealdade de companheiro compensa a timidez dos atributos de cidadão.
Aurélio larga o jornal e inclina a cabeça para o lado.
-- Recíproca verdadeira no que tange ao companheirismo de farda, e meu espanto com um adepto de Comte aspirar a agitações.
-- Major, o mestre condenava as revoluções quando injustas, mas, jamais, como recurso extremo contra a tirania.
-- O que não é o caso.
-- Se presente ontem no Senado, teria outra opinião, não acha Capitão Dias?
Herculano entende que começaram as consultas conspiratórias. Durante esse instante, em que ainda ressoa a pergunta e antecede a resposta, a imagem da República surge diante dele, como se corporificada num ser diáfano, e desaparece tão logo Aurélio atropela a réplica.
-- Até o senhor, Capitão?
-- Perdão, não entendi a colocação.
-- Está metido também no agito das galerias políticas?
-- Não se apresse em julgar, major. O capitão se mantém na posição de observador que tão bem conhecemos, intervém Agostinho a perscrutar a fisionomia de Herculano.
-- Bom saber. A lucidez faz um militar.
-- Atributo que recorro para balizar minha leitura. Estou certo em pensar, Capitão, que se esgotam os meios pacíficos para conter as arbitrariedades do Governo?
Herculano sente-se posto a prova e incomodado em se denunciar a Aurélio.
-- Agradeço a deferência, major. Porém, creio que as medidas falam por si. O Código é coercitivo, a criação da Justiça Sanitária, inconstitucional e são espúrios os valores pagos aos terrenos desapropriados.
-- Um parecer demolidor, Capitão. Contudo lhe dou razão quanto ao lamentável valor das indenizações. Tudo o mais não, pois tem a sua razão de ser.
-- Não violando os direitos individuais, enfatiza Agostinho.
-- A situação não cabe livre-escolha.
-- Nem permite pôr cabresto nos cidadãos.
-- Contenha-se, Major. A questão afeta o coletivo e somos disciplinados a acatar ordens.
-- Somente as inteligentes.
-- Isso me soa discurso de tempos passados.
-- Onde tudo começou e ainda não terminou.
-- Vamos nos concentrar em assuntos educacionais?
A entrada de Hilário interrompe a conversa. Auxiliar da coordenação de ensino há mais de uma década, é um dos poucos civis que trabalham na Escola e exerce a função como um diligente e empertigado mordomo.
-- Senhores doutores, posso tocar o sinal?
-- Sim, responde Aurélio, dobrando o jornal e com o pensamento nos arroubos políticos de Agostinho, que considera a perspectiva de continuar depois a conversa com Herculano, que também aventa ser esse o próximo passo do major.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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