quinta-feira, 2 de julho de 2015

Capítulo Cento e Nove

DERROTADO PELAS PRÓPRIAS MÃOS


Na biblioteca, Herculano instrui Tião acerca de como tudo será no casarão deste momento em diante. Suas olheiras evidenciam a noite não dormida. O semblante do empregado também denuncia o sono perdido com a vigia empreendida por temer um desatino do patrão. Sai após receber a ordem de chamar Quitéria e Belizária. Logo depois, retorna sozinho.
-- Dá licença, doutor capitão.
-- Cadê as mulheres?
-- Tão esperando aí fora.
-- Por que não entraram?
-- Por que antes, com vossa licença, quero falar com vosmicê.
-- Diga logo.
-- As ordens tão embaralhadas na minha cabeça.
-- Não fui claro?
-- Foi sim, mas, sem querer desafiar, Capitão, eu sou negro emancipado e calçado muito antes que os meus irmãos. Quando o senhor entrou pra família, apreciei vosso olhar de respeito para a minha pessoa e na hora devotei a vosmicê lealdade e estima igual a que tinha pelo finado sinhô Mourão. Todo esse tempo quando digo sim, senhor, digo por inteiro.
-- Estamos entendidos então.
-- Só na força da obediência, não no ajuizado da coisa.
-- Este é um assunto que não lhe diz respeito.
-- Tolere minhas palavras, senhor doutor capitão. Fio nos vossos credos, na calmaria e na tempestade. Tem luta na rua pro senhor vencer, outra estourou aqui. A ofensa é o cão; ceifa a razão. Só o perdão pra excomungar o demo de dentro da gente. É isso o que quero dizer pro bem de todos e nessa hora tão importante pro senhor.
Herculano sabe que deve vencer seus demônios. No entanto, sua consciência ora soçobra nas profundezas do redemoinho do ódio, como quando quis extrair a confissão do adultério, ora emerge desse sorvedouro, como neste instante, em que a mente desliza por entre as vagas da vingança. Nesse ondejar revolto, mantém a punição de cárcere privado. Quer que Páscoa pague com o martírio a traição e o esforço que lhe impingi para não ser derrotado pelas próprias mãos.
-- Faça as mulheres entrarem.
  
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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