segunda-feira, 13 de julho de 2015

Capítulo Cento e Vinte e Oito

DO ABANDONO DA PARTIDA


Uma pequena comitiva se distribui nos coches estacionados na rua. Páscoa fecha a porta do casarão, depois, o portão de ferro. Troca de mão a maleta de Herculano e ouve seus próprios passos rumo ao desconhecido.
O abandono da partida evolui. Leva a mãe e a filha ao Pharoux e, de lá, ao ferryboat que as conduzirá até a ilha Fiscal, de onde embarcarão para uma temporada na Europa. Os olhos molhados das duas estão postos na balaustrada do cais. Ali, com os braços cruzados sobre os peitos, Quitéria chora. Tião acena com o chapéu, Belizária com um lenço, e Maria Luíza e José Inácio abanam as mãos.
Páscoa acha que vê Grego. Procurou-o na véspera, depois de mais um mês que não se viam. Respondera apenas sua mensagem de pêsames: Querido amigo, obrigada pelos seus sentimentos. Muitos são os prantos, passarão. Irei ao seu encontro, tão logo seja possível. Todo o meu bem-querer, Vida. 
No início desse período, decidiu-se que viveria o ano novo no exterior. Aceitou a oferta de José Inácio de cuidar do inventário e ser seu fiador. A lei exige que um homem se responsabilize pela capacidade da viúva em administrar o patrimônio. Tudo resolvido, passagens compradas, malas prontas, sentiu-se forte para se despedir de Grego. Na casa do Leme, deparou-se com o amante esquivo. Contou-lhe sobre a viagem. O relato intensificou o sentimento de rejeição dele. Ainda não se esquecera de ter tido sua ajuda preterida pela da advogada e sabia dizer, com precisão, o numero de dias que passara na mais completa solidão. Páscoa explicou-lhe suas razões atuais.
-- Faço essa viagem por mim e por Sofia. Merecemos um tempo só nosso. E eu preciso saber como quero alinhar minha vida com o destino, compreende?
Não. Grego não compreendeu isso, nem o porquê de Páscoa tê-lo deixado de fora das decisões tomadas. Não era justo, se ele próprio era parte do destino revelado. Decerto que por um instante vacilou, incerto em largar tudo por causa dela. Mas depois, não. Nunca me amou, pensou. Com uma afetada indiferença, ouviu os planos que não lhe contaram do encontro programado em Paris com Maria Luísa, nem a data do retorno. Escutou:
-- Será muito bom rever você quando eu voltar.
-- Se eu estiver por aqui.
Definitivamente Grego não percebia que os barcos do amor continuavam a flutuar no mar. Faltava-lhe aquela clareza que demonstrara ter nas pedras de Inhangá, quando anunciou a sua ida para a cidade, ou no Theatro Lyrico, quando lhe participou que seguiria com a companhia da ópera por uma turnê de cinco meses.
Páscoa entendeu o quanto seu mestre da liberdade estava fechado para ela e esse entendimento a fez pensar nos homens que há séculos partem a despeito do desejo de suas mulheres que ficam à espera. Não pediu tamanha constância.
-- Deixe-me um endereço, se for para outro porto.
Assim se separaram, apenas com um olhar de adeus. E agora, ali no ferryboat, ela entende seu engano: Greco não está à balaustrada do Pharoux.


Reboa o apito do navio como se sofresse o abandono da despedida. À medida que o vapor avança rumo ao alto mar, do convés, Páscoa e Sofia veem a cidade velha de São Sebastião do Rio de Janeiro se distanciar cada vez mais. Perto da ilha de Villegagnon, uma ventania afugenta a maioria das passageiras. Menos as duas. Seguram seus chapéus, sem se importar com aquelas lufadas. Assim contemplam os casarões do Flamengo. Mas na enseada de Botafogo, o vento cessa de súbito. Mais parece querer deixá-las dar adeus a Praia da Saudade. Emocionadas, abraçam-se quando seus olhos afagam a Escola da Praia Vermelha. Sofia enxuga as lágrimas e volta a apreciar a paisagem. O coração de Páscoa dispara tão logo o navio sai da barra. É-lhe impossível ver Grego no morro do Leme. Adeus, Vida, diz ele. Até mais ver, pensa ela, tomada pelas lembranças que se sucedem em velocidade maior do que a do navio. Pouco a pouco, as pedras de Inhangá, o sobrado e a igrejinha do arraial de Copacabana ficam para trás. Páscoa respira fundo. Sorri para Sofia, para o futuro. Ultrapassadas novas orlas, novas praias, para onde mãe e filha olham, só veem o céu e o mar.


Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


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