terça-feira, 7 de julho de 2015

Capítulo Cento e Quinze

EXPLODE A REVOLTA


Domingo, 12 de novembro. Na primeira hora da manhã, Hermes da Fonseca, comandante da Escola Militar de Realengo, manda prender oficiais e alunos que compareceram aos protestos da véspera.
A informação não tarda a chegar ao conhecimento de Herculano. Pensa na incapacidade de Sodré para obter adesões na alta hierarquia do Exército e lamenta a prisão de Brito. Se no passado esses fatos o induziriam a propor o adiamento da data do levante, no momento, fortalecem sua crença de que pressionar a marcha é o certo a ser feito. Armado e à paisana, parte para suas articulações com os Materialistas. Suas olheiras denunciam outra noite mal dormida.
Por volta do meio dia, Herculano já está na Praça Tiradentes, lotada de gente, em outro protesto contra a vacina.  A situação é tensa para o general Piragibe e Silva Castro que dividem o comando da segurança pública ali.  Em breve a Comissão de Saúde irá se reunir num prédio que faceia a Praça, e os oficiais da Brigada Policial não conseguem dispersar a multidão. O delegado Barroso e Raposo observam de longe as tentativas.
-- O pau vai quebrar, fala Raposo.
-- Tô percebendo. E vamos defender a delegacia, no estrito do ordenado.
-- Se as altas chefias querem assim, o que o senhor pode fazer, não é?
-- Pois que se esfolem pelas glórias, diz o delegado Barroso revoltado com Silva Castro não o ter convocado para coordenar a segurança na Praça.
Herculano se encontra com Tião e circula, conferindo a posição dos integrantes da tropa popular.  Não ninguém do grupo conspirador. Antes assim.
A chegada de Oswaldo Cruz e de Theodoro eriça a multidão. Compactada, a massa humana pressiona o cordão de isolamento. De outro lado da Praça, pedras lançadas atingem o piquete de cavalaria comandado por Silva Castro, que ordena a carga sobre os rebeldes. Do lado oposto, Piragibe também manda a sua tropa atacar. O conflito explode à espaldeirada e a tiros. Do tumulto emergem revides, com golpes de faca, ferro e pau. Reforços entram em ação para ambos os lados da peleja.
Utensílios e cadeiras são jogados sobre a polícia das janelas dos bares, café e restaurantes. Outros projéteis voam das portas das residências. O meretrício da São Jorge surge de vassouras em riste e engrossa a peleja, enquanto moradores erguem barricadas com destroços de demolições. As mulheres do casarão de Sinhá Cota abrem os portões dos fundos para cuidar dos feridos. Comerciantes põem querosenes, sacos de rolhas e outros suprimentos nas soleiras das vendas. Num triz, os rebeldes os recolhem.
Herculano e sua tropa atiram de prédios em demolição. Um agrupamento da Brigada Policial aponta. Os insurretos correm pelo interior das carcaças. A força legal passa. Pela retaguarda é atacada com pedras. Retornam em disparada. Cavalos derrapam, outros tombam com as rolhas espalhadas pelo chão.
O conflito se espalha pela cidade. Sangue e querosene molham as ruas. Fogo é ateado; labaredas lambem o ar. Trincheiras se multiplicam armadas com material das demolições. Delegacias, gasômetros e companhias de carris urbanos são atacados e linhas telefônicas do governo cortadas. A tarde cai com a força legal sendo vencida pela rebelião – e a Comissão de Saúde só consegue sair do Ministério da Justiça no início da noite, protegida por escolta militar.
Na alvorada, a cidade é um campo de batalha em hora de trégua. Por toda parte há vestígios da luta: lampiões quebrados, bondes incendiados, paralelepípedos e trilhos arrancados, vidraças espatifadas, andaimes destruídos, barricadas e colchões queimados pelas ruas. Guardas caminham cabisbaixos, cansados; outros contundidos esperam por socorro nos passeios.
Jornais noticiam a suspensão da celebração dos quinze anos da Proclamação da República e responsabilizam Rodrigues Alves pelo sangue derramado. Outros exigem a demissão de Seabra e de Oswaldo Cruz. E toda a imprensa notifica o aviso da segurança pública para a população permanecer em casa porque medidas enérgicas serão tomadas para reestabelecer a ordem pública. Moradores do centro da cidade buscam refúgios longe dali. Mensageiros adversários cruzam-se pelas ruas. Entre confabulações, conferências, reorganização das forças, a manhã segue um curso de incertezas.
Argolo repreende Costallat em seu gabinete, no Ministério da Guerra.
-- As notícias são que a Escola em peso participou desse motim. Pensei que tivesse tomado medidas cautelares.
-- E eu que fosse um conselho. Enganei-me, marechal?
-- Precisava tratá-lo como um cabo, general?
-- Até ontem só havia apreensões na Praia Vermelha. 
-- Pois garanta a normalidade lá, se não poderá ser enquadrado por inobservância do dever militar.
Costallat sai da reunião e vai embora para a casa.
No Palácio do Catete, Oswaldo Cruz conversa com Rodrigues Alves.
-- Vossa excelência corre o risco de ser vítima do veneno da oposição. Aceite minha exoneração e poderá resolver essa lastimável revolta.
-- Conheço os perigos vividos e não os vencerei por meio de concessões. De tal modo, só posso aceitar vosso pedido de demissão se achar que não está em condições de cumprir os compromissos assumidos comigo. 
-- Possuo a mesma segurança de quando aceitei a direção de nossa obra salvadora. Porém prefiro sacrificar meu cargo a pôr em risco o vosso mandato.
-- Nesse caso concentre-se nas suas responsabilidades porque, se o governo cair, cairá com o senhor e com todos aqueles que abraçaram suas missões. Mas esteja certo de que haveremos de vencer. A razão está conosco!
Logo mais, Theodoro se informa da permanência de Oswaldo em despacho com o presidente. Sente-se mais aliviado. Temia que a exoneração convencesse a população do seu poder de pressão e fortalecesse os conspiradores. Aproveita a ocasião para expor a sua opinião sobre os tumultos e tentar influir nas decisões presidenciais.
-- Eliminamos os riscos da parada, mas fomos surpreendidos com a revolta popular. Os insurretos podem tirar partido dessa força e agir.
-- Uma possibilidade. Contudo, um assalto ao poder se faz com generais e a maioria está cumprindo seus deveres. Ou vê na frouxidão de Costallat um indício de mais surpresas pela frente?
-- A Praia Vermelha sempre foi independente. E não podemos chamar de vandalismos ataques simultâneos a serviços públicos.
-- Está a sugerir um nexo entre os insurretos militares e os populares?
-- Sim, presidente. Conveniente expedir mandatos de prisão por sedição para os subversivos conhecidos e convocar batalhões de outras regiões. Tudo indica que nossas tropas estão contaminadas e não temos como precisar o número dos insurretos.
Seabra interrompe a reunião, com notícias do recomeço dos ataques e de que os conjurados se reúnem no Clube Militar.
-- Onde está o ministro da guerra?
-- A caminho, presidente.
-- Por favor, Dr. Theodoro, mande chamar o almirante Noronha.
Ordem cumprida, atende BV e fica sabendo do recado deixado por Abdias.
-- D. Catarina mandou buscar a Dra. Thereza. A hora dela chegou. E olha, parece que Dr. Valentin esteve no solar.
Os pensamentos de Theodoro oscilam entre acudir a mulher ou pôr alguém atrás do amigo. Com o poder de ação reduzido, joga com a sorte.
-- Onde está Coelho?
-- Lá embaixo.
-- Venha comigo.
Theodoro procura o chefe da casa-militar e lhe pede duas escoltas.
Em outro contexto o solicitado prontamente atenderia ao pedido, mas, no meio da crise, teme desfalcar seus recursos insuficientes.
-- Se a família presidencial precisar...
-- Prefere que o presidente delibere a questão?
-- Uma formação o ajuda?
-- Duas.
Com BV num coche e Coelho no outro, a escolta trota para buscar Dr. Eugênio e os pais de Theodoro, com o destino final no solar.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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