EXPLODE A REVOLTA
Domingo, 12 de novembro. Na primeira hora da manhã, Hermes
da Fonseca, comandante da Escola Militar de Realengo, manda prender oficiais e
alunos que compareceram aos protestos da véspera.
A informação não tarda a chegar ao conhecimento de
Herculano. Pensa na incapacidade de Sodré para obter adesões na alta hierarquia
do Exército e lamenta a prisão de Brito. Se no passado
esses fatos o induziriam a propor o adiamento da data do levante, no momento,
fortalecem sua crença de que pressionar a marcha é o certo a ser feito. Armado
e à paisana, parte para suas articulações com os Materialistas. Suas olheiras denunciam outra noite mal dormida.
Por volta do meio dia, Herculano já está na Praça
Tiradentes, lotada de gente, em outro protesto contra a vacina. A situação é tensa para o general Piragibe e
Silva Castro que dividem o comando da segurança pública ali. Em breve a Comissão de Saúde irá se reunir
num prédio que faceia a Praça, e os oficiais da Brigada Policial não conseguem
dispersar a multidão. O delegado Barroso e Raposo observam de longe as
tentativas.
-- O pau vai quebrar, fala Raposo.
-- Tô percebendo. E vamos defender a delegacia, no
estrito do ordenado.
-- Se as altas chefias querem assim, o que o senhor
pode fazer, não é?
-- Pois que se esfolem pelas glórias, diz o delegado
Barroso revoltado com Silva Castro não o ter convocado para coordenar a
segurança na Praça.
Herculano se encontra com Tião e circula, conferindo
a posição dos integrantes da tropa popular. Não ninguém do grupo conspirador. Antes assim.
A chegada de Oswaldo Cruz e de Theodoro eriça a
multidão. Compactada, a massa humana pressiona o cordão de isolamento. De outro
lado da Praça, pedras lançadas atingem o piquete de cavalaria comandado por Silva
Castro, que ordena a carga sobre os rebeldes. Do lado oposto, Piragibe também
manda a sua tropa atacar. O conflito explode à espaldeirada e a tiros. Do
tumulto emergem revides, com golpes de faca, ferro e pau. Reforços entram em
ação para ambos os lados da peleja.
Utensílios e cadeiras são jogados sobre a polícia
das janelas dos bares, café e restaurantes. Outros projéteis voam das portas
das residências. O meretrício da São Jorge surge de vassouras em riste e
engrossa a peleja, enquanto moradores erguem barricadas com destroços de
demolições. As mulheres do casarão de Sinhá Cota abrem os portões dos fundos
para cuidar dos feridos. Comerciantes põem querosenes, sacos de rolhas e outros
suprimentos nas soleiras das vendas. Num triz, os rebeldes os recolhem.
Herculano e sua tropa atiram de prédios em demolição.
Um agrupamento da Brigada Policial aponta. Os insurretos correm pelo interior
das carcaças. A força legal passa. Pela retaguarda é atacada com pedras. Retornam
em disparada. Cavalos derrapam, outros tombam com as rolhas espalhadas pelo chão.
O conflito se espalha pela cidade. Sangue e
querosene molham as ruas. Fogo é ateado; labaredas lambem o ar. Trincheiras se
multiplicam armadas com material das demolições. Delegacias, gasômetros e
companhias de carris urbanos são atacados e linhas telefônicas do governo cortadas.
A tarde cai com a força legal sendo vencida pela rebelião – e a Comissão de
Saúde só consegue sair do Ministério da Justiça no início da noite, protegida
por escolta militar.
Na alvorada, a cidade é um campo de batalha em hora
de trégua. Por toda parte há vestígios da luta: lampiões quebrados, bondes
incendiados, paralelepípedos e trilhos arrancados, vidraças espatifadas,
andaimes destruídos, barricadas e colchões queimados pelas ruas. Guardas
caminham cabisbaixos, cansados; outros contundidos esperam por socorro nos
passeios.
Jornais noticiam a suspensão da celebração dos
quinze anos da Proclamação da República e responsabilizam Rodrigues Alves pelo
sangue derramado. Outros exigem a demissão de Seabra e de Oswaldo Cruz. E toda
a imprensa notifica o aviso da segurança pública para a população permanecer em
casa porque medidas enérgicas serão tomadas para reestabelecer a ordem pública.
Moradores do centro da cidade buscam refúgios longe dali. Mensageiros
adversários cruzam-se pelas ruas. Entre confabulações, conferências,
reorganização das forças, a manhã segue um curso de incertezas.
Argolo repreende Costallat em seu gabinete, no
Ministério da Guerra.
-- As notícias são que a Escola em peso participou
desse motim. Pensei que tivesse tomado medidas cautelares.
-- E eu que fosse um conselho. Enganei-me, marechal?
-- Precisava tratá-lo como um cabo, general?
-- Até ontem só havia apreensões na Praia
Vermelha.
-- Pois garanta a normalidade lá, se não poderá ser enquadrado por inobservância do dever militar.
Costallat sai da reunião e vai embora para a casa.
No Palácio do Catete, Oswaldo Cruz conversa com Rodrigues Alves.
-- Vossa excelência corre o risco de ser vítima do
veneno da oposição. Aceite minha exoneração e poderá resolver essa lastimável
revolta.
-- Conheço os perigos vividos e não os vencerei por
meio de concessões. De tal modo, só posso aceitar vosso pedido de demissão se
achar que não está em condições de cumprir os compromissos assumidos
comigo.
-- Possuo a mesma segurança de quando aceitei a
direção de nossa obra salvadora. Porém prefiro sacrificar meu cargo a pôr em
risco o vosso mandato.
-- Nesse caso concentre-se nas suas
responsabilidades porque, se o governo cair, cairá com o senhor e com todos
aqueles que abraçaram suas missões. Mas esteja certo de que haveremos de
vencer. A razão está conosco!
Logo mais, Theodoro se informa da permanência de
Oswaldo em despacho com o presidente. Sente-se mais aliviado. Temia que a
exoneração convencesse a população do seu poder de pressão e fortalecesse os
conspiradores. Aproveita a ocasião para expor a sua opinião sobre os tumultos e
tentar influir nas decisões presidenciais.
-- Eliminamos os riscos da parada, mas fomos
surpreendidos com a revolta popular. Os insurretos podem tirar partido dessa
força e agir.
-- Uma possibilidade. Contudo, um assalto ao poder
se faz com generais e a maioria está cumprindo seus deveres. Ou vê na frouxidão
de Costallat um indício de mais surpresas pela frente?
-- A Praia Vermelha sempre foi independente. E não
podemos chamar de vandalismos ataques simultâneos a serviços públicos.
-- Está a sugerir um nexo entre os insurretos
militares e os populares?
-- Sim, presidente. Conveniente expedir mandatos de
prisão por sedição para os subversivos conhecidos e convocar batalhões de
outras regiões. Tudo indica que nossas tropas estão contaminadas e não temos
como precisar o número dos insurretos.
Seabra interrompe a reunião, com notícias do
recomeço dos ataques e de que os conjurados se reúnem no Clube Militar.
-- Onde está o ministro da guerra?
-- A caminho, presidente.
-- Por favor, Dr. Theodoro, mande chamar o almirante
Noronha.
Ordem cumprida, atende BV e fica sabendo do recado deixado por Abdias.
-- D. Catarina mandou buscar a Dra. Thereza. A hora
dela chegou. E olha, parece que Dr. Valentin esteve no solar.
Os pensamentos de Theodoro oscilam entre acudir a
mulher ou pôr alguém atrás do amigo. Com o poder de ação reduzido, joga com a
sorte.
-- Onde está Coelho?
-- Lá embaixo.
-- Venha comigo.
Theodoro procura o chefe da casa-militar e lhe pede
duas escoltas.
Em outro contexto o solicitado prontamente atenderia
ao pedido, mas, no meio da crise, teme desfalcar seus recursos insuficientes.
-- Se a família presidencial precisar...
-- Prefere que o presidente delibere a questão?
-- Uma formação o ajuda?
-- Duas.
Com BV num coche e Coelho no outro, a escolta trota
para buscar Dr. Eugênio e os pais de Theodoro, com o destino final no solar.
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by Maria Tereza O. S. Campos
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