quarta-feira, 1 de julho de 2015

Capítulo Cento e Cinco

BARCOS VIRÃO. NOVAS TRARÃO.


Desde que soube do suicídio de Carlota, Mariinha sofre sem notícias de Abreu Vaz. O padecimento a leva à igreja. Acende vela para a alma da finada e ora a Deus: sabe que o meu Ioiô é uma dádiva, meu Pai. Não merece carregar essa cruz para sempre. Não deixa nossa felicidade virar pecado nem esse luto tirar ele de mim. Eu vos peço e agradeço tamanha graça.
Espírito consolado, a jovem visita os pais de criação. Quer saldar dívidas de gratidão, pedir perdão e encher seu coração com as bênçãos do casal. Atendida por Bertoleza, com Rubião a roncar na poltrona, não passa da soleira da porta. Altino se recusa a vê-la e proíbe Ismênia de recebê-la.
-- Nossa Mariinha morreu. Essa é uma desconhecida.
Abatida, atravessa a rua e procura o consolo de Divina. A inesperada presença movimenta a casa. Uma por uma das mulheres adentra a saleta do oratório, desejosa de compartilhar as notícias trazidas pela visitante. Apoiada à bengala e ao lado da velha Anunciata, sinhá Cota se informa.
-- Vieste por as cartas ou consultar os búzios?
-- Só visitar, diz entre soluços. Não quero fuçar o futuro, não.
-- Pois então passe pra dentro. És da casa. Não da sala de visita.
Ao redor da mesa da cozinha, as mulheres escutam Mariinha. Suspiram com a passageira felicidade, afligem-se com o calvário do juiz e se compadecem com o pedido de ajuda para obter o perdão de Altino e Ismênia.
-- Faz eles entender o meu destino.
-- Falou-se muito, menina! E tu saíste que nem uma cabrita desmiolada.
-- Eu sei, sinhá. Mas de tudo que contei, diga, se o povo não mentiu?
-- Em partes, exclama Belizária, chegada a pouco do trabalho.
-- Tu já se chamas sinhá?
-- Não, senhora.
-- Então, quieta. Vamos ver o que se pode fazer com a sobra da verdade. O que tu achas, Divina?
-- Há coisa boa pra contar; melhor perdoar que açoitar o bem-querer.
-- Ah, como quero esse perdão, pra tudo ficar direitinho.
-- Divina falará com teus pais e eu também.
-- Muito obrigada, as senhoras são boas demais. Num nego o que fiz, mas foi coisa da providência. Ele até me deu este anel em prova do encontro das nossas almas.
O anel já observado pelas mulheres sai do dedo de Mariinha e roda de mão em mão entre falas de apreciação e escutas de outras provas do amor ilícito.
-- É um homem tão bom que, mesmo sofrendo, mandou pagar o mês de novembro da pensão. É um sinal que vai voltar, não é?
Todas concordam e Divina aconselha.
-- Reze e trabalhe. Fazer seus réis também ajuda a passar o tempo ruim.
-- Tô pensando nisso. Já até combinei com D. Ninon.
Belizária a interrompe.
-- Vais voltar pra lá?
-- Só pra costurar pras moças.
-- O povo há de continuar a falar.
-- Dinheiro é dinheiro, diz Sinhá. E marafona também tem de se vestir. O problema é se essa Dona Ninon paga direito.
-- Paga sim. É gente boa. Injustiça falar mal dela. Não aceito essa malquerença com quem faz o que os homens num vive sem.
-- Vamos deixar esse assunto de lado.
-- Vamos sim, D. Divina. Mas ninguém pode jogar pedra em mim. Foi no errado que eu conheci o certo da minha vida. Eu quero muito ele de volta. Afeiçoei!
Todas se comovem. Sinhá dá o parecer.
-- O problema é essa estaca plantada no coração do magistrado.
-- Não merecia. É homem direito, só a senhora vendo pra crer.
-- Tenho cá minhas ideias de como ele pode ser.
-- Num tem valia purgar essa dor pra sempre.
-- O tempo tudo cura, exclama Divina.
-- O ruim já se fez, agora é tocar a vida pra frente e com o bom que ficou.
-- Assim mesmo que eu penso, sinhá.
-- Aguarde. Barcos virão e novas trarão.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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