sábado, 4 de julho de 2015

Capítulo Cento e Treze

TUDO OU NADA


 CCO acolhe os rebeldes, com o calor da luta a brilhar nas faces e a satisfação a compensar machucados. Herculano e Brito se apresentam a Sodré, reunido com Vicente. Relatam a repressão policial e omitem o comando do enfrentamento. O senador justifica a ausência no comício como necessário ao bom andamento da causa. Herculano não engole a explicação. Pergunta:
-- Na coluna de hoje noticiei que o senhor iria falar. Que esclarecimento eu devo dar?
-- Motivo de força maior. E convide os leitores para a reunião amanhã aqui, no CCO.
-- De onde nascerá o governo social, enfatiza Vicente.
Os colegas se retiram. Brito comenta com Herculano suas impressões.
-- É muito estranho abrir mão de um comício a menos de quatro dias da operação. Deve estar havendo algum impasse entre o Vicente e o guião.
-- Por que enfatizou suas tendências socialistas?
-- É. Com certeza, empacaram em algo e preferiram se resguardar.
-- Ou tem mais gente sabendo do dia 15 e novos acordos estão sendo fechados. Qual outra razão para a ausência na rua e políticos voltando atrás com a vacina?
-- Vão-se os anéis e ficam os dedos, diz Brito com sarcasmo.
-- Exato. Sodré desistiu do protesto para ganhar tempo e repactuar as bases do golpe. Nunca quis dissolver o Congresso.
-- Tudo se configura para a mesmice de sempre. Isso se o golpe não gorar.
-- Não há mais como abortar a operação. Se Sodré vacilar durante a parada, eu entro em ação e deponho o presidente.
-- Enlouqueceu?
-- Bem ao contrário.
-- Será preso.
-- A tropa popular está comigo e confio nos meus vínculos com os soldados e com a mocidade militar.
-- Há os superiores, não irão se curvar a um Capitão.
-- Em hora de vazio de poder, prevalece quem sabe o que fazer.
-- É arriscado. E não terá o aval dos apoiadores.
-- Algo me diz que estão por detrás daquela maleta de dinheiro.
-- De onde tirou essa ideia?
-- O pai de Fabrício foi ou ainda é da Irmandade do Bom Pastor – e se cercar de todos os lados é uma boa tática para se proteger do “resoluto” guião.
-- Confirme isso e pense nos limites de contar com o apoio de ex-monarquistas.
-- Impossível tomar o poder sem as alianças possíveis.
-- Olho vivo, meu amigo, e com você mesmo. A cada dia, cresce sua tolerância.
-- Um pouco de pragmatismo não faz mal a ninguém.
-- Está a dar murro em ponta de faca e, o pior, a se iludir.
-- Não tenho a opção de me olhar no espelho e ver um resignado.
-- Decerto uma visão desagradável, mas corre o risco de ver imagem pior.
-- Sei bem o que faço.
-- Sua aparência revela cansaço e seu comportamento, obstinação. Não está em condições de analisar cenários e decidir.
-- As condições objetivas estão criadas e as subjetivas consolidadas. Temos um governo desgastado, um guião hesitante e uma população ávida por mudanças. Vamos tirar vantagem dessas condições.
-- Vá pra casa descansar. É o melhor que faz. Até amanhã.
-- Espera aí.
-- Depois a gente conversa..
Separam-se. Brito dirige-se à estação para tomar o trem para Realengo, incerto em prosseguir ao lado do amigo. Já Herculano caminha pelo centro da cidade como um batedor que vai adiante do seu pelotão para examinar o terreno e garantir uma marcha elucidada para a tropa. Identifica posições estratégicas desguarnecidas de segurança e pensa em ofensivas.
Os pensamentos o transportam para Canudos, para um ataque que participou com dois mil soldados. Como vagas humanas, em levas consecutivas, ondearam em fragor colinas, rebentaram-se de encontro ao furor dos sertanejos e, num corpo-a-corpo feroz, marulharam breves vales. Ergueram-se na potência de outras ondas e, sempre em frente, evoluíram no retrocesso imposto aos jagunços. Se ao longo desse fratricídio, sua obediência militar serviu a uma ordem perversa, se matar ou morrer traduziu seu livre-arbítrio em meio da barbárie oficial, neste momento, como um insurreto da própria vida, entrega-se à obstinação de derrotar a realidade que impede a concretização dos seus ideais. Não há mais retorno para si. Adiante é o seu rumo, num tudo ou nada temerário.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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