sexta-feira, 3 de julho de 2015

Capítulo Cento e Onze

A PÁTRIA EM MAUS LENÇÓIS


Herculano desce do bonde e caminha em direção à Rua do Ouvidor, onde um estudante discursa contra a vacina. A visão do protesto e dos ouvintes atua como um bálsamo nas suas feridas. Aproxima-se da aglomeração.
Não demora a aparecer o delegado Barroso, acompanhado de Raposo e de dois guardas. Dá voz de prisão. O estudante se rebela e a turma do deixa disso intervém, sem êxito. Preso o jovem, alguns dos ouvintes o escoltam. Herculano segue junto. Na altura da Praça Tiradentes, o pessoal do sereno se inteira da prisão, deixam de lado as iscas de peixe e a cerveja e tomam partido do orador. Em número desigual para um latente enfrentamento, o delegado manda Raposo chamar reforço e aconselha o grupo a se dispersar. Mas ninguém arreda o pé dali. A conversa se arrasta entre pedidos de soltura do jovem e réplicas de que a lei tem de ser cumprida. O reforço policial desponta. É recebido a vaias.  Há o empurra-empurra e o conflito irrompe.
Herculano observa de longe os corpos em revolta. Hora mais tarde, escreve sua coluna de jornal. Relata a repressão policial, com críticas à proibição dos discursos públicos, e convoca os leitores para o comício da Liga Contra a Vacina, no Largo de São Francisco, na manhã seguinte: “É chegada a hora de soerguermos do terremoto das improbidades políticas e combatermos os vendilhões da democracia. Vamos nos unir e decretar o fim da opressão”.
Outras redações também preparam suas edições matutinas. Durante a noite, tipografias imprimem entrevistas e conteúdos prenunciadores de desordens públicas.
“Se permanecerem os dispositivos da lei da vacina, haverá uma revolução civil e eu irei me alistar entre os brasileiros que derem combate a favor da liberdade de escolha”, diz, numa entrevista, o médico e deputado federal Teixeira Brandão, até então um dos defensores do caráter compulsório da vacina.
 “Dr. Seabra manifesta-se contrário ao rigor sanitário”, informa outro jornal.
“O empurra-empurra na saúde pública predomina entre os parlamentares e as autoridades. Um grupo não assume suas defesas de outrora e querem se isentar da aprovação dos regulamentos. Outro grupo promete pegar em armas se suas defesas pregressas forem implantadas. O governo, por sua vez, proíbe o protesto contra esse furdunço eivado de dúvidas científicas. Ante a esses fatos, até o espírito mais alienado compreende que a Pátria está em maus lençóis”, afirma um periódico.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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