DO TABULEIRO VERDE-AMARELO
A
revolta federalista prosseguiu e Herculano se manteve em seu posto de instrutor
militar sem dar margem para outro entendimento a seu respeito que não fosse o
de ser um sóbrio e leal servidor republicano. Tão reservado quanto antes,
retomou a função acadêmica em outubro de 1895, quando a paz foi selada no Rio
Grande do Sul, com um saldo de cerca de dez mil mortos, dos quais inúmeros
degolados por cada lado do combate. Mas algo mudou na sua autoexpressão, a
partir do ano letivo seguinte.
Daquela
reserva, começou a se configurar a imagem de um professor que oferecia uma
visão de futuro para os alunos. Nesse porvir, o grupo não só ostentava o
domínio da arte da guerra e da engenharia militar, como ainda o conhecimento das
ciências que os tornava agentes valorosos do progresso das instituições
republicanas.
Herculano
acreditava nessa visão, mas também a explorava com o objetivo de acalmar e
disciplinar aquela mocidade, que retornava à sala de aula, com a memória de
suas atuações nos batalhões patrióticos. Achavam-se os guardiões da República,
além de prontos para intervir nos rumos do governo, que procurava nesse momento
pôr fim à sustentação armamentista do regime e obter apoio parlamentar para
equilibrar as contas públicas e impulsionar a economia. Nessa conjuntura, não eram
mais necessários os corpos paramilitares, nem os leais servidores do
ex-presidente mão de ferro. Os cargos públicos foram ocupados por indicações ou
por quem podia garantir a governabilidade de Prudente de Morais. Categoria encontrada entre as lideranças
políticas regionais e formada por republicanos históricos, de última hora e
ainda antigos monarquistas.
Esse
novo tempo republicano desencadeou descontentamentos, sobretudo entre os
florianistas que tiveram seu poder radicalmente reduzido. Para sobreviver na
nova conjuntura, deflagraram uma campanha de ataques ao presidente do país e de
defesa dos soldados e das milícias voluntárias que haviam sido esquecidas após
os serviços prestados e sacrifícios feitos à Pátria. Aos florianistas se uniram
também a imprensa oposicionista. Com artigos diários tentavam desgastar o
governo. Ora afirmavam que Prudente de Morais governava para os cafeicultores e
era incapaz de deter a inflação e o aumento do custo de vida. Ora combatiam sua
política de imigração com o argumento de que brasileiros perdiam emprego para
os estrangeiros e acusavam-no de ser antinacionalista por ter reduzido as taxas
alfandegárias, inundando o mercado de produtos importados e impedindo a
indústria brasileira de florescer.
Rui
Barbosa pronunciou-se sobre o momento nacional: sempre supus que tivéssemos
feito uma lei para se impor a todas as leis, dominar vontades e calar todos os
interesses; acreditei que tivéssemos decretado uma República efetivamente
republicana, não esse tabuleiro verde-amarelo, onde força e fortuna jogam entre
si o dever das posições, a honra dos princípios e o futuro do país.
Herculano
se indignou com esse despudor que proferia verdades em frases patrióticas,
esquecido da própria prática política. Assim, menos por crença no chefe da
nação e mais por cálculo de que o ruim poderia ficar pior, continuou a tática
de conter os arroubos da mocidade militar, oferecendo-lhes uma visão de futuro.
E acreditava que não se tratava de uma tarefa perdida, uma vez que essa visão poderia formar adeptos do autêntico movimento revolucionário que eclodiria
nas terras brasileiras – isto era só uma questão de tempo, a julgar a babel de
interesses e de opinião que insuflava os ânimos nacionais naqueles dias.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
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