segunda-feira, 30 de março de 2015

Capítulo Vinte e Cinco

ENCONTRO CASUAL


O incidente no Largo da Carioca para o trânsito e o bonde de Copacabana fica preso no congestionamento. Pelas laterais dos carros corre a enxurrada humana com a cavalgada policial ao encalço, num tropel que deixa para trás espanto e receio, além de apetrechos e tamancos perdidos. Minutos sem correria se sucedem. Ocupantes saem dos carros e caminham para averiguar o ocorrido na boca da Santo Antônio. Herculano segue junto. O colega do Dr. Eugênio prefere fazer o final do percurso a pé. Já o médico se mantém ereto no estribo, de onde acompanha o movimento. Reconhece Theodoro, que passa ao seu lado, e o chama, descendo do veículo. O secretário de governo se vira.
-- Ora, ora, quem encontro.
-- E em quê ocasião.
-- Provavelmente um acidente.
-- Ou mais uma enérgica ação do nosso Governo.
Theodoro mantém o ar afável e muda de assunto.
-- Como entrou o ano novo?
-- No olimpo, saboreando o regalo que nos ofertou.
-- Fico contente que tenha gostado. É sempre bom presentear os amigos. E Dona Magnólia como está?
-- Ah! Muito bem; espero que Dona Catarina também o esteja.
-- Felizmente sim e organizando um sarau para o Carnaval. Em breve enviaremos o convite. Ficaremos honrados se puderem comparecer.
-- A honra é nossa. Mas cuide para D. Catarina não se desgastar. Mais do que nunca, precisa descansar.
-- Estou atento. Bom, devo me despedir, tenho hora marcada na Ouvidor.
-- E eu, na Ourives. Mas recomendo aguardar o trânsito fluir. O sol está de lascar. Pode dar insolação, diz Dr. Eugênio, tentando reter a importante companhia.
-- Infelizmente, não posso me atrasar. Terei de correr esse risco.
Dividido entre ficar e fazer o estirão a pé, o médico olha para o alto da rua.
-- Ali vem um conhecido meu; vamos ouvir o que ele tem a dizer da situação.
Theodoro se vira e avista Herculano caminhando de volta. Em desvantagem com relação à altura do outro, apruma o porte, enquanto o militar o reconhece e lastima o encontro a sua espera. É interpelado pelo médico antes mesmo de parar.
-- O que houve?
-- A Brigada Sanitária cercou o Largo, houve correria e os ambulantes colidiram com uma carroça na esquina. Já está sendo removida. Logo mais o trânsito fluirá.
Theodoro acha familiar sua fisionomia e se introduz na conversa.
-- Feridos?
-- Pelo visto, não.
-- Antes isso. 
Dr. Eugênio dirige-se ao militar.
-- Conhece o nosso secretário de governo, o Dr. Theodoro de Alcântara Avelar?
-- Como está? Herculano Dias.
Theodoro responde o cumprimento e o médico completa a apresentação.
-- O Capitão é professor da Praia Vermelha.
-- Grande escola. Em que disciplina leciona?
-- Operações militares.
-- Um dos meus temas preferidos de leitura.
Herculano apenas meneia a cabeça para espanto do Dr. Eugênio que considera insossa a resposta à autoridade do governo. Quebra o silêncio.
-- Por isso digo, com o senhor no governo, estamos bem servidos. Parabéns por tão vasto apreço.
-- É o meu dever, Dr. Eugênio. Ademais, teorias militares também são úteis em tempos de paz, não acha, Capitão?
A declaração soa sem sentido e a resposta se enuncia com um recado indireto.
-- Saber como os homens lutam e porque se dão combate pode evitar velhos erros e novos conflitos.
-- Não me expressaria melhor. Sem querer mudar o assunto e já mudando, tenho a impressão que já nos vimos antes. Estou certo?
Uma lembrança dos dois no colégio Pedro II aflora em Herculano, bem como a suspeita de que a impressão alheia seja fruto de uma visão à galeria do Congresso. Sem interesse em facilitar a vida do adversário político, omite as referências.
-- Não saberia dizer.
Dr. Eugênio tenta de novo amenizar o desprestigio percebido na resposta.
-- Quem sabe de um evento da Escola?
-- As identidades se assemelham quando em farda, insiste Herculano.
-- Mas há sempre um bom fisionomista para diferenciá-las, retruca o médico, com um esgar que mistura cordialidade ao civil e crítica ao militar.
Esquivo ou é um florianista? – avalia Theodoro com um sorriso vago, enquanto Herculano se sente analisado: o que se passa com esse sujeito? Já o médico conclui seu parecer sobre o militar: sem traquejo social algum.
-- Aos lugares, estamos de saída, diz o motorneiro.
Os olhares do trio se desviam e Dr. Eugênio adianta-se nas despedidas.
-- Caríssimo, por favor, leve minhas saudações a D. Catarina.
-- Ficará feliz em recebê-las e transmita a D. Magnólia as minhas.
-- Assim o farei.
-- Foi um prazer conhecê-lo – ou reencontrá-lo, Capitão.
-- O mesmo digo. Com vossa licença.
De onde o conheço? Theodoro se pergunta dirigindo-se ao coche parado atrás. Acomoda-se no carro, que parte, conduzido por Abdias.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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