ENCONTRO CASUAL
O
incidente no Largo da Carioca para o trânsito e o bonde de Copacabana fica
preso no congestionamento. Pelas laterais dos carros corre a enxurrada humana
com a cavalgada policial ao encalço, num tropel que deixa para trás espanto e
receio, além de apetrechos e tamancos perdidos. Minutos sem correria se
sucedem. Ocupantes saem dos carros e caminham para averiguar o ocorrido na boca
da Santo Antônio. Herculano segue junto. O colega do Dr. Eugênio prefere fazer
o final do percurso a pé. Já o médico se mantém ereto no estribo, de onde acompanha
o movimento. Reconhece Theodoro, que passa ao seu lado, e o chama, descendo do veículo.
O secretário de governo se vira.
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Ora, ora, quem encontro.
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E em quê ocasião.
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Provavelmente um acidente.
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Ou mais uma enérgica ação do nosso Governo.
Theodoro
mantém o ar afável e muda de assunto.
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Como entrou o ano novo?
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No olimpo, saboreando o regalo que nos ofertou.
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Fico contente que tenha gostado. É sempre bom presentear os amigos. E Dona
Magnólia como está?
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Ah! Muito bem; espero que Dona Catarina também o esteja.
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Felizmente sim e organizando um sarau para o Carnaval. Em breve enviaremos o
convite. Ficaremos honrados se puderem comparecer.
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A honra é nossa. Mas cuide para D. Catarina não se desgastar. Mais do que
nunca, precisa descansar.
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Estou atento. Bom, devo me despedir, tenho hora marcada na Ouvidor.
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E eu, na Ourives. Mas recomendo aguardar o trânsito fluir. O sol está de
lascar. Pode dar insolação, diz Dr. Eugênio, tentando reter a importante
companhia.
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Infelizmente, não posso me atrasar. Terei de correr esse risco.
Dividido
entre ficar e fazer o estirão a pé, o médico olha para o alto da rua.
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Ali vem um conhecido meu; vamos ouvir o que ele tem a dizer da situação.
Theodoro
se vira e avista Herculano caminhando de volta. Em desvantagem com relação à
altura do outro, apruma o porte, enquanto o militar o reconhece e lastima o encontro
a sua espera. É interpelado pelo médico antes mesmo de parar.
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O que houve?
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A Brigada Sanitária cercou o Largo, houve correria e os ambulantes colidiram
com uma carroça na esquina. Já está sendo removida. Logo mais o trânsito
fluirá.
Theodoro
acha familiar sua fisionomia e se introduz na conversa.
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Feridos?
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Pelo visto, não.
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Antes isso.
Dr.
Eugênio dirige-se ao militar.
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Conhece o nosso secretário de governo, o Dr. Theodoro de Alcântara Avelar?
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Como está? Herculano Dias.
Theodoro
responde o cumprimento e o médico completa a apresentação.
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O Capitão é professor da Praia Vermelha.
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Grande escola. Em que disciplina leciona?
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Operações militares.
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Um dos meus temas preferidos de leitura.
Herculano
apenas meneia a cabeça para espanto do Dr. Eugênio que considera insossa a
resposta à autoridade do governo. Quebra o silêncio.
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Por isso digo, com o senhor no governo, estamos bem servidos. Parabéns
por tão vasto apreço.
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É o meu dever, Dr. Eugênio. Ademais, teorias militares também são úteis em
tempos de paz, não acha, Capitão?
A
declaração soa sem sentido e a resposta se enuncia com um recado indireto.
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Saber como os homens lutam e porque se dão combate pode evitar velhos erros e
novos conflitos.
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Não me expressaria melhor. Sem querer mudar o assunto e já mudando, tenho a
impressão que já nos vimos antes. Estou certo?
Uma
lembrança dos dois no colégio Pedro II aflora em Herculano, bem como a suspeita
de que a impressão alheia seja fruto de uma visão à galeria do Congresso. Sem
interesse em facilitar a vida do adversário político, omite as referências.
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Não saberia dizer.
Dr.
Eugênio tenta de novo amenizar o desprestigio percebido na resposta.
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Quem sabe de um evento da Escola?
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As identidades se assemelham quando em farda, insiste Herculano.
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Mas há sempre um bom fisionomista para diferenciá-las, retruca o médico, com um
esgar que mistura cordialidade ao civil e crítica ao militar.
Esquivo
ou é um florianista? – avalia Theodoro com
um sorriso vago, enquanto Herculano se sente analisado: o que se passa com
esse sujeito? Já o médico conclui seu parecer sobre o militar: sem
traquejo social algum.
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Aos lugares, estamos de saída, diz o motorneiro.
Os
olhares do trio se desviam e Dr. Eugênio adianta-se nas despedidas.
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Caríssimo, por favor, leve minhas saudações a D. Catarina.
--
Ficará feliz em recebê-las e transmita a D. Magnólia as minhas.
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Assim o farei.
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Foi um prazer conhecê-lo – ou reencontrá-lo, Capitão.
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O mesmo digo. Com vossa licença.
De onde o conheço?
Theodoro se pergunta dirigindo-se ao coche parado atrás. Acomoda-se no carro,
que parte, conduzido por Abdias.
Copyright © 2013 by Maria
Tereza O. S. Campos
Copyright
de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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