terça-feira, 24 de março de 2015

Capítulo Vinte e Um

EMOÇÕES EM FRANGALHOS


Constrangido Herculano suportou a revista da tropa pelo chefe da nação em meio à luminosidade forte da manhã na Capital Federal. Sua reação não diferenciou muito da de outros soldados perfilados ali no convés do navio que os trouxera da Bahia. Com o porte alteado, em posição de sentido, escondiam emoções em frangalhos, aturdimentos ou incômodos com a cerimônia que lhes rendia homenagens pelo vitorioso combate. Talvez um observador atento pudesse identificar nos olhares opacos de uns, nas piscadelas nervosas de outros, ou na contração involuntária do músculo facial de Herculano a tensão provocada por essa celebração que se desenrolava agora com um discurso de conteúdo alheio à verdade de que a vítima fora derrotada e não o inimigo causador da mortandade em Canudos.
O pelotão finalmente desembarcou no cais Pharoux de onde seguiu o presidente e a sua comitiva. Logo mais o inesperado alterou a configuração da passagem do cortejo por entre a população reunida para saudar os combatentes. De um dos lados do aglomerado humano, um soldado à paisana pulou sobre Prudente de Morais e corpos se atracaram. Após minutos de luta e conturbação, o agressor foi preso e o ministro da Guerra, ferido, retirado em carreira, bem como o intacto presidente com a sua comitiva.
Somente após o final do tumulto e com a dispersão atônita em curso, Herculano avistou a família, ainda aglutinada em espanto a alguns metros adiante. Lá estava a mulher com a filha no colo, ladeada por Quitéria e Tião. Sentiu como se seus braços já os tocassem e o coração disparou quando Páscoa entregou Sofia ao colo da ama e veio em sua direção. Acelerou o passo contemplando o sorriso que nascia e iluminava o rosto de mais alegria à medida que se aproximava... Por um instante se nutriu da felicidade comum, mas as lembranças da guerra o atravessaram e soaram suas denúncias, como as asas negras de urubus em voo sobre o alvo putrefato. Não acolheu a mulher com o abraço anelado, nem a beijou quando a viu se abandonar saudosamente ao seu peito. Afastou-a, tomou-lhe as mãos entre as suas e a fitou em silêncio desassossegado.
-- Vamos para casa, disse-lhe Páscoa, recompondo-se diante do aflito olhar.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


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