VERGONHA QUEDADA
A madrugada
de domingo chegou fria e com garoa. Sentinelas guardavam o Paço Imperial e
imediações. Uma luz brilhou no mar do Pharoux. Era o iluminador da lancha, que
vinha buscar a família imperial destronada para levá-la à Ilha Fiscal de onde
embarcariam para o exílio. Não tardou para ser aberto o portão do Paço e de
dentro rodar para a escuridão da Praça a carruagem imperial. Damas de preto
caminhavam à frente do carro e, atrás, seguiam silenciosos cavalheiros, num
cortejo ladeado pela guarda montada que cumpria o último ato da deposição.
A formação parou no cais. Os
soberanos desceram e a princesa Isabel se recusou a embarcar sem os filhos. Por
segurança, deixara-os em Petrópolis. Um oficial voltou a avisá-la de que as
crianças já estavam a caminho do seu encontro no vapor. Turvada de tristeza,
Isabel olhou para o marido conformado, para o pai atônito, para a mãe em
lágrimas, para o sobrinho assustado.
-- Talvez seja devido à lei Áurea que estejamos indo
embora, mas se as coisas fossem repostas, não hesitaria em assiná-la para pôr
fim à escravidão.
Pressionada pelo irrevogável destino, a princesa se
movimentou. Em silêncio, a família imperial desceu a escada do cais e entrou na
barca, que partiu. Um apito soou. O cortejo retornou ao Paço e o som do oceano
reinou no Pharoux. Da escuridão, surgiu Herculano, em altivez marcada pelo
pesar. Não teve coragem de se despedir de Pedro, de se expor a quem traíra em
nome de amor superior. À balaustrada do cais, viu a luz da barca penetrar o
escuro nevoeiro e desaparecer nos confins das trevas. Em recôndito semelhante,
quedou a sua vergonha.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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