domingo, 8 de março de 2015

Capítulo Oito

PASMO TOTAL


Na noite de nove de novembro, enquanto a monarquia e seletos convidados se divertiam no baile da Ilha Fiscal, Benjamin articulava para depor Ouro Preto, no Clube Militar. Ao final do encontro prestigiado por oficiais do Exército e da Armada, o militar acatou a decisão da maioria de esgotar as possibilidades de entendimento com o governo antes de levar a termo a proposta de deposição. 
Outra reunião se realizou dias depois, porém, na casa do marechal Deodoro. A ocasião congregou civis defensores de longa data da República ou de última hora, como Rui Barbosa. À medida que o ânimo do país era retratado, mais os presentes falavam em derrubar a monarquia. Convidado a assumir o golpe de Estado, Deodoro aceitou a incumbência com pesar.
-- Queria acompanhar o caixão do Imperador, que está velho e a quem respeito muito. Mas, se não tem outro jeito, que leve a breque a monarquia.
Em meio aos preparativos da deposição, a doença do marechal piorou. Na noite do dia treze, Benjamin externou sua preocupação a alguns conspiradores.
-- Creio que não amanhece; se morrer, a revolução gorou.
Descontentes com a perspectiva, os insurretos entabularam um plano para deflagrar o levante de qualquer jeito sem o conhecimento do professor-militar. Plano operacionalizado, a cidade acordou com os rumores de que Deodoro e Benjamin seriam presos para facilitar a instalação do Terceiro Reinado. O militar Floriano Peixoto, homem da segurança do Império e apalavrado com o golpe, escreveu ao ministro da Guerra: “Vossa excelência já deve ter conhecimento de que tramam algo por aí. Não dê importância, confio na lealdade dos chefes”. A notícia foi repassada ao Visconde de Ouro Preto, que ordenou medidas de segurança.
Os rumores alcançaram Herculano na caserna da Escola da Praia Vermelha. O amor à República se alvoroçou e os laços ao monarca enrijeceram seu corpo. Escandalosa de tão amarela e cheia, a lua surgiu. Durante sua ronda para oeste, banhou o dilema do aluno-oficial e já empalidecia, na alva de quinze de novembro, quando Herculano despontou com a tropa da mocidade militar numa praça da cidade. Marchava em porte marcial a encobrir o seu desconforto de proclamar a República da forma que menos desejou. Na praça, uniu-se a seiscentos soldados. Deodoro montou o seu cavalo branco e falou a tropa.
-- Vamos fazer o que nos propusemos a fazer.
Inquieto, Herculano se pôs em movimento com o regimento insurreto.
A manhã transcorreu entre expectativas. Por volta do meio-dia, o marechal deixou o Quartel-General, onde se reunira com o Visconde e ministros e em ocasião na qual Pedro II se encontrava com a família em Petrópolis. Ansiosos com o desfecho, Benjamin e outros revolucionários cercaram Deodoro no portão. A notícia da deposição do ministério repassou de boca em boca e um colega indagou Herculano:
-- Mas se fez ou não a República?
-- Não sei.
Nesse instante, Deodoro passou e o colega gritou.
-- Viva a República!
-- Deixe ao povo essa manifestação, repreendeu o marechal. Em seguida, montou seu cavalo e se dirigiu para se certificar da ordem no Arsenal da Marinha.
A tropa o seguiu pelas ruas, como uma procissão silenciosa. Pasmado, o povo olhou para aquela marcha inesperada. Da mesma forma, pasmados também estavam os soldados sem saber se a República fora proclamada. A confirmação só chegou para Herculano no entardecer. Taciturno, permaneceu com os pensamentos na dor de Pedro e nas inseguranças com o seu próprio futuro.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


Nenhum comentário:

Postar um comentário