O CERNE DA QUESTÃO
Ao vestir a farda da Escola Militar da Praia
Vermelha, o então jovem do povo se distinguiu aos próprios olhos em corpo
aprumado e espírito dignificado. A vocação militar floresceu e, em sucessivas
aprendizagens, se renovou nutrida pelo saber científico e pelo patriotismo
cultuados na Escola.
Nesse ambiente de estudos, em que se pensava também
o futuro do Brasil, Herculano viveu verdadeira epifania com a descoberta da
doutrina positivista do francês Augusto Comte. Concordou com a visão do
filósofo de que, ao longo da evolução, o intelecto se emancipa de crenças
divinas, depois de ideias ainda sem respaldo científico, quando então se torna
um intelecto positivo que compreende e organiza a existência com base no
conhecimento da Natureza. Maravilhou-se com o enunciado da Moral ser a ciência
rainha, da qual a política deriva e que precisa se tornar também racional,
fundamentada pela Física Social e pela Economia – e não pela Religião.
Horizontes se alargaram com a premissa de que a representação política impede a
responsabilização de malefícios gerados pelos parlamentares à coletividade,
cria corruptos e corruptores, instaura a leniência e substitui a razão do
Estado pela retórica no tratamento das questões nacionais. Encontrou nessa
análise a explicação para as falhas do reinado de Pedro II e devorou o sistema republicano
positivista, proposto por Comte, para vigorar no lugar do representativo: um
governo eleito pelos cidadãos, legitimado por escrutínios públicos, com contas
fiscalizadas por uma comissão eleita e edificado por práticas esclarecidas pela
ciência e defensoras da liberdade de consciência. No lema de governar tendo o
amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim, reconheceu a
expressão sintética das necessidades espirituais e materiais da humanidade
cujos esforços para seu atendimento devem ser coordenados pelos governantes em
níveis crescentes de desempenho. Identificou nesse ideário a mais elevada forma
de governo para o aprimoramento continuado dos indivíduos e de suas
instituições na era industrial. Desejou servir a Pátria, servindo à República.
Mas como concretizar esse desejo, se havia Pedro?
Não podia traí-lo. Nem o país acelerar a transição para a República, mas, sim,
planejá-la. Já se escutava na caserna, nos cafés, nos bondes e nos clubes de
debates a oposição a um Terceiro Reinado presidido pela princesa Isabel, filha
do monarca e casada com o francês conde d’Eu. Muitos repetiam o que fora
escrito pelo Manifesto Republicano há mais de uma década: “o império é hostil
aos interesses das províncias e não queremos ser governados por estrangeiros. É
tempo de substituir o antigo regime pelo novo. De sermos Estados americanos
unidos pelos vínculos da nacionalidade e da solidariedade”.
O dilema entre a paixão pela República e a lealdade
a Pedro II levou Herculano a reduzir as suas idas ao beija-mão do rei,
cerimônia organizada no Paço Imperial com o propósito de permitir aos súditos o
contato com o soberano. Durante esses eventos, que passou a frequentar somente
no final do ano, inquietava-se na hora de desejar votos de saúde e paz para o
monarca. Receava que o ano vindouro fosse o último de Pedro no trono, em razão
do agravamento de questões adversas à estabilidade da monarquia – e à transição
planejada para a ansiada era republicana positivista.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
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