quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Capítulo Cinquenta e Nove

PELE DO AMOR


Catarina cheira o conteúdo do frasco entregue por Adamastor, atendente do perfumista. Reconhece o aroma-denúncia da infidelidade conjugal: um floral ao mesmo tempo leve e arrebatador. Não se contém. Passa uma gota no pulso, sopra e cheira a pele. Impossível desdenhar o aroma. Trata-se da mais perfeita metáfora da paixão. A rival não é uma qualquer e vem atormentar a sua vida justamente quando se tornou uma profusão de montes, uma elefoa. Como defender seu casamento nessas condições? 
-- Qual o nome desse perfume?
-- Peau d’ amour!
Sente-se como se alvejada por um soco na barriga e, no instante seguinte, percebe que não é apenas uma sensação: o bebê se mexeu! A raiva de não ter podido viver em júbilo essa emoção se volta contra Reverbel: Imperdoável não ter me oferecido a Pele do Amor. Um ar de indiferença colore seu rosto.
-- Nunca vi este perfume na loja.
-- É uma fórmula exclusiva.
Avolumam-se a sensação de desprestígio e a raiva. Afetada, senta-se na cadeira da escrivaninha e se esforça para não revelar sua turbulência emocional. 
-- Que interessante! E quem costuma encomendar?
-- Uma única pessoa.
-- O nome.
-- Madame... É perigoso revelar essa identidade.
-- Imagino o quanto.
Abre a gaveta de seus objetos pessoais, manuseia dinheiro guardado ali e desliza o montante dentro de um envelope sobre a mesa, em direção ao atendente.
-- Sente-se mais confortável em saber que segredos são eternos para mim?
-- Muito. Muitíssimo, mas há um porém. A pessoa é estimadíssima de muitos.
-- Do alto mundo, suponho?
-- Do mais seleto olimpo.
-- Solteira?
-- Viúva.
-- Possui filhos?
-- Não saberia dizer.
-- É nova?
-- Não como um botão de rosa.
-- Desfolhada?
-- Digamos belamente desabrochada.
Catarina não consegue identificar entre o seu círculo de relacionamento quem possa se encaixar na descrição.
-- Frequenta a loja?
-- Mui raramente e quando não há ninguém, exceto o senhor Reverbel e eu. Mas nem apareço. Fico nos fundos esperando o final dos experimentos pra arrumar tudo.
-- Experimentos?
-- É. A pessoa gosta de pensar em diferentes combinações de perfumes e óleos.
A raiva lateja em Catarina.
-- Usa outras fórmulas?
-- Sim e suas pupilas também.
-- É uma preceptora?
-- Bem... Como direi?
-- É ou não?
-- Pergunta difícil, madame!
-- Diga logo: quem é essa mulher?
Os olhos do atendente abaixam-se e os lábios balbuciam:
-- Ninon de Valoir.
Catarina se lembra dos comentários acerca da francesa dona do bordel de luxo.
-- A dona daquele local?
O atendente confirma com um balançar de cabeça. E a madame compreende o tamanho do revés da sua fortuna, sem entender a razão, se é bela, possui o dom de saber se vestir, andar, falar, olhar, sorrir e, ainda por cima, sabe pensar sem emoção e amar com ardor. Por que lhe abate tão cruel destino? Terá de viver igual a tantas outras? Pelo menos não como Carlota Abreu Vaz, mas tem tudo para ser como a queridíssima... Ah, deixa isso para lá. São falatórios acerca da amante francês do prefeito. Um tremor percorre seu corpo. Acha que o bebê se mexeu novamente e quer ficar sozinha. Toca a sineta de prata disposta sobre a escrivaninha.
-- Já tomei muito do seu tempo. Esteja à vontade para partir.
-- Peço que cuide bem da informação. O senhor Reverbel jamais entenderia minha dedicação à madame.
-- Não há com que se preocupar. Procuro o senhor se precisar de algo mais.
Josefa chega e acompanha o homem até a porta da rua.
Catarina acaricia a barriga: Despertou de susto, não foi, meu bebê? Mas fique tranquilo, vamos sobreviver. Poderia ser pior. Mundanas não entram no Palácio, não pela porta da frente, por onde iremos adentrar... Cheira o pulso: Peau d´amour! O que farei para tirar Theo de você, Ninon de Valoir? O que farei?

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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