PELE DO AMOR
Catarina
cheira o conteúdo do frasco entregue por Adamastor, atendente do perfumista. Reconhece
o aroma-denúncia da infidelidade conjugal: um floral ao mesmo tempo leve e
arrebatador. Não se contém. Passa uma gota no pulso, sopra e cheira a pele. Impossível
desdenhar o aroma. Trata-se da mais perfeita metáfora da paixão. A rival não é uma
qualquer e vem atormentar a sua vida justamente quando se tornou uma profusão
de montes, uma elefoa. Como defender seu casamento nessas condições?
--
Qual o nome desse perfume?
-- Peau d’ amour!
Sente-se
como se alvejada por um soco na barriga e, no instante seguinte, percebe que
não é apenas uma sensação: o bebê se
mexeu! A raiva de não ter podido viver em júbilo essa emoção se volta
contra Reverbel: Imperdoável não ter me
oferecido a Pele do Amor. Um ar de indiferença colore seu rosto.
--
Nunca vi este perfume na loja.
-- É
uma fórmula exclusiva.
Avolumam-se
a sensação de desprestígio e a raiva. Afetada, senta-se na cadeira da
escrivaninha e se esforça para não revelar sua turbulência emocional.
-- Que
interessante! E quem costuma encomendar?
-- Uma
única pessoa.
-- O
nome.
--
Madame... É perigoso revelar essa identidade.
--
Imagino o quanto.
Abre a
gaveta de seus objetos pessoais, manuseia dinheiro guardado ali e desliza o
montante dentro de um envelope sobre a mesa, em direção ao atendente.
--
Sente-se mais confortável em saber que segredos são eternos para mim?
--
Muito. Muitíssimo, mas há um porém. A pessoa é estimadíssima de muitos.
-- Do
alto mundo, suponho?
-- Do
mais seleto olimpo.
--
Solteira?
--
Viúva.
--
Possui filhos?
-- Não
saberia dizer.
-- É
nova?
-- Não
como um botão de rosa.
--
Desfolhada?
--
Digamos belamente desabrochada.
Catarina
não consegue identificar entre o seu círculo de relacionamento quem possa se
encaixar na descrição.
--
Frequenta a loja?
-- Mui
raramente e quando não há ninguém, exceto o senhor Reverbel e eu. Mas nem
apareço. Fico nos fundos esperando o final dos experimentos pra arrumar tudo.
--
Experimentos?
-- É.
A pessoa gosta de pensar em diferentes combinações de perfumes e óleos.
A
raiva lateja em Catarina.
-- Usa
outras fórmulas?
-- Sim
e suas pupilas também.
-- É
uma preceptora?
--
Bem... Como direi?
-- É
ou não?
-- Pergunta
difícil, madame!
--
Diga logo: quem é essa mulher?
Os
olhos do atendente abaixam-se e os lábios balbuciam:
--
Ninon de Valoir.
Catarina
se lembra dos comentários acerca da francesa dona do bordel de luxo.
-- A
dona daquele local?
O
atendente confirma com um balançar de cabeça. E a madame compreende o tamanho
do revés da sua fortuna, sem entender a razão, se é bela, possui o dom de saber
se vestir, andar, falar, olhar, sorrir e, ainda por cima, sabe pensar sem
emoção e amar com ardor. Por que lhe abate tão cruel destino? Terá de viver
igual a tantas outras? Pelo menos não como Carlota Abreu Vaz, mas tem tudo para
ser como a queridíssima... Ah, deixa isso para lá. São falatórios acerca da
amante francês do prefeito. Um tremor
percorre seu corpo. Acha que o bebê se mexeu novamente e quer ficar sozinha.
Toca a sineta de prata disposta sobre a escrivaninha.
-- Já
tomei muito do seu tempo. Esteja à vontade para partir.
--
Peço que cuide bem da informação. O senhor Reverbel jamais entenderia minha
dedicação à madame.
-- Não
há com que se preocupar. Procuro o senhor se precisar de algo mais.
Josefa
chega e acompanha o homem até a porta da rua.
Catarina
acaricia a barriga: Despertou de susto,
não foi, meu bebê? Mas fique tranquilo, vamos sobreviver. Poderia ser pior.
Mundanas não entram no Palácio, não pela porta da frente, por onde iremos
adentrar... Cheira o pulso: Peau
d´amour! O que farei para tirar Theo de você, Ninon de Valoir? O que farei?
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
Nenhum comentário:
Postar um comentário