sábado, 21 de fevereiro de 2015

Capítulo Oitenta e Um

AO IR E VIR


Arriado pelas decepções, Valentin se deixa ser levado pelo ir e vir de um bonde. Nesse trajeto retarda o encontro com a solidão de um quarto de hotel. Não se conforma com Catarina ter engravidado do marido, depois de tantos anos de casada. Acha lógico ser o pai da criança – e deseja ser, no avesso do antigo receio de pôr um filho no mundo. Porém, a paternidade negada e a rejeição sofrida revelam a realidade dos fatos: tudo acabado; ela ama Theodoro. 
Insaciáveis, os tormentos do amor exigem sofrimentos maiores. Desenterram angústias e passam em revistas frustrações. A dor o torna apático.
Bonde vazio, o trocador o observa: a expressão triste, a mala de viagem, a caixa de couro da máquina fotográfica. Pensa em alguém que trombou com a desdita e desorientado tomou o primeiro carro que passou. Acha que ficará nesse ir e vir, com risco de fazer uma doidice, a menos que uma alma caridosa o socorra. Aproxima-se. Valentin tira o dinheiro para pagar nova passagem. O trocador recusa.
-- O bilhete ainda tá valendo.
-- Tira o da volta.
-- Paga depois, diz, senta-se ao lado e pergunta o que quer saber: tá de partida ou chegando?
Valentin o fita, sem ânimo de responder. Não precisa, pois o trocador fala de novo.
-- Meto o bedelho, não por mal. Mas tem pra onde ir?
-- Logo desço.
-- Como quiser.
Emudecem. O trocador fica um ar reflexivo e olhar longínquo. Confidencia.
-- Às vezes, acordo com a veneta virada e as ideias giram que nem pião.
-- Há dias ventosos.
-- Noites também. E se for por causa de mulher, aí o pião sapateia com gosto.
-- Hun!
-- São umas desalmadas. Derrubam a gente sem dó nem piedade. É o caso?
-- De quem? - indaga meio ouriçado.
-- De quem sofre de amor Só um remédio cura: os braços de outra mulher.
-- É.
-- Tem uma botica muito boa logo em frente.
 -- Não conheço.
-- Vê-se que é de fora. Mas, garanto, é coisa de primeira, se tiver bolso pra tanta finura. Se não, há outra mais em conta quase no final da parada.
Valentin decide abrandar as dores e desce diante do bordel Casa Rosada.


Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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