NOVO ALIADO
A
sensação de estar no limiar do adormecimento acomete Catarina varias vezes
durante a noite. Abre os olhos e vê o lado vazio da cama. As pálpebras se
fecham, adormece. Quando acorda de vez, Theodoro dorme e o dia amanhece.
Vagarosamente sai da cama. No quarto de vestir, cheira primeiro o casaco,
depois a camisa dele. Sente o perfume em ambos: Ó, minha Estrela-guia. As lágrimas nascem e rolam pelo rosto. Joga a
roupa no chão e rapidamente as pega. Não pode descuidar da sua contraprova.
Pendura o casaco e põe a camisa sobre uma cadeira. Tempo depois, Theodoro beija
a sua testa à mesa do café.
--
Minha rainha, perdoe-me pelo atraso.
--
Theo, você chegou de manhã!
--
Imagina o que aconteceu...
--
Seja o que for, deveria ter me avisado, diz interrompendo a fala do marido.
--
Posso explicar?
--
Fiquei muito preocupada, responde em tom de voz mais cordato.
--
Passei a noite no gabinete.
-- Por
quê?
--
Precisei escrever um relatório...
-- Por
que não aqui em casa?
-- Era
o que devia ter feito. Mas aí deitei no sofá pra descansar um instante só e caí
no sono. Quando acordei, já era de madrugada.
Temendo
se descontrolar com o que julga ser mentira e cair do seu pedestal de rainha,
Catarina se retira. Theodoro termina o café antes de ir ao seu encontro no
quarto.
--
Está mais calma?
--
Estou triste.
-- Não
se abata por bobeira.
--
Sinto saudades do seu amor.
-- Mas
o tem.
-- Sem
as nossas noites dulcíssimas.
--
Agora você é mãe.
-- E
também sua esposa-amante.
-- Catarina,
por favor. Concentre-se no bebê.
-- Não
engravidei para ter você longe de mim, diz de maneira ríspida.
-- Sem
exaltações.
-- Mas
Theo...
-- O
que? Dr. Eugênio não recomendou repouso e cuidados de toda espécie.
--
Sim, mas...
-- Sem
mais e nem menos. Conto com você. Facilite as coisas para mim.
--
Está certo.
--
Esta é a minha mulher, diz, beija-a na testa e vai trabalhar.
Nenhuma sirigaita irá me destronar, sentencia Catarina.
Desgarra-se das mágoas e se prepara para a luta. Veste-se, põe na sacola o
casaco e a camisa do marido, abastece um envelope com dinheiro e parte para a
loja do perfumista.
O
atendente bendiz a sorte do patrão quando a vê entrar.
--
Bem-vinda, madame, em que posso lhe ajudar?
-- O
senhor Reverbel está?
--
Infelizmente, não.
--
Parece que estou sem sorte.
-- Mas
me deixou instruções, caso se desencontrasse da senhora. Pediu para eu entregar
a amostra e dizer que não tem como providenciar a encomenda.
-- Que
pena!
Adamastor
pega o embrulho.
--
Aqui está.
--
Obrigada.
--
Disponha.
--
Responda-me uma curiosidade. Há quanto anos trabalha no ramo?
--
Cresci praticamente entre essências.
--
Imagino que conheça todas.
-- Até
no ar sei distinguir um aroma do outro.
--
Estarei na frente de um futuro perfumista com uma loja só para si?
-- Que
Oxalá ouça a madame.
--
Estou certa de que ouvirá. Basta pedir com fervor, trabalhar com afinco e
demonstrar o quão preparado está, para que as portas lhe sejam abertas.
--
Posso lhe ser útil em algo mais?
Catarina
retira da sacola o casaco e a camisa de Theodoro e os estende.
--
Consegue dizer que fragrância exala nessas roupas e se foi feita aqui?
O
atendente aspira algumas vezes.
--
Dê-me alguns dias e farei uma fórmula. Talvez a madame reconheça nela o aroma
procurado.
--
Acha então que o produto é da loja?
-- Bem
provável. Em que endereço me apresento?
-- Rua
São Clemente 426. Quando poderei apreciar a fórmula?
-- Se
tiver urgência, reduzo o tempo para a combinação descansar sem prejuízo do
resultado final, é claro.
Catarina
sorri, retira o envelope da bolsa e o estende.
-- É
muito gentil. Isso é para o senhor.
--
Madame, não precisa.
--
Como não? Fará um trabalho e quero contribuir para a sua futura loja.
Adamastor
sorri; guarda o envelope no bolso e exibe nova cortesia.
--
Acredito que irá querer discrição.
-- É
sempre conveniente, responde Catarina satisfeita em ter dado um pequeno grande
passo em prol dos seus interesses.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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