segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Capítulo Cinquenta e Sete

NOVO ALIADO


A sensação de estar no limiar do adormecimento acomete Catarina varias vezes durante a noite. Abre os olhos e vê o lado vazio da cama. As pálpebras se fecham, adormece. Quando acorda de vez, Theodoro dorme e o dia amanhece. Vagarosamente sai da cama. No quarto de vestir, cheira primeiro o casaco, depois a camisa dele. Sente o perfume em ambos: Ó, minha Estrela-guia. As lágrimas nascem e rolam pelo rosto. Joga a roupa no chão e rapidamente as pega. Não pode descuidar da sua contraprova. Pendura o casaco e põe a camisa sobre uma cadeira. Tempo depois, Theodoro beija a sua testa à mesa do café.
-- Minha rainha, perdoe-me pelo atraso.
-- Theo, você chegou de manhã!
-- Imagina o que aconteceu...
-- Seja o que for, deveria ter me avisado, diz interrompendo a fala do marido.
-- Posso explicar?
-- Fiquei muito preocupada, responde em tom de voz mais cordato.
-- Passei a noite no gabinete.
-- Por quê?
-- Precisei escrever um relatório...
-- Por que não aqui em casa?
-- Era o que devia ter feito. Mas aí deitei no sofá pra descansar um instante só e caí no sono. Quando acordei, já era de madrugada.
Temendo se descontrolar com o que julga ser mentira e cair do seu pedestal de rainha, Catarina se retira. Theodoro termina o café antes de ir ao seu encontro no quarto.
-- Está mais calma?
-- Estou triste.
-- Não se abata por bobeira.
-- Sinto saudades do seu amor.
-- Mas o tem.
-- Sem as nossas noites dulcíssimas.
-- Agora você é mãe.
-- E também sua esposa-amante.
-- Catarina, por favor. Concentre-se no bebê.
-- Não engravidei para ter você longe de mim, diz de maneira ríspida.
-- Sem exaltações.
-- Mas Theo...
-- O que? Dr. Eugênio não recomendou repouso e cuidados de toda espécie.
-- Sim, mas...
-- Sem mais e nem menos. Conto com você. Facilite as coisas para mim.
-- Está certo.
-- Esta é a minha mulher, diz, beija-a na testa e vai trabalhar.
Nenhuma sirigaita irá me destronar, sentencia Catarina. Desgarra-se das mágoas e se prepara para a luta. Veste-se, põe na sacola o casaco e a camisa do marido, abastece um envelope com dinheiro e parte para a loja do perfumista.
O atendente bendiz a sorte do patrão quando a vê entrar.
-- Bem-vinda, madame, em que posso lhe ajudar?
-- O senhor Reverbel está?
-- Infelizmente, não.
-- Parece que estou sem sorte.
-- Mas me deixou instruções, caso se desencontrasse da senhora. Pediu para eu entregar a amostra e dizer que não tem como providenciar a encomenda.
-- Que pena!
Adamastor pega o embrulho.
-- Aqui está.
-- Obrigada.
-- Disponha.
-- Responda-me uma curiosidade. Há quanto anos trabalha no ramo?
-- Cresci praticamente entre essências.
-- Imagino que conheça todas.
-- Até no ar sei distinguir um aroma do outro.
-- Estarei na frente de um futuro perfumista com uma loja só para si?
-- Que Oxalá ouça a madame.
-- Estou certa de que ouvirá. Basta pedir com fervor, trabalhar com afinco e demonstrar o quão preparado está, para que as portas lhe sejam abertas.
-- Posso lhe ser útil em algo mais?
Catarina retira da sacola o casaco e a camisa de Theodoro e os estende.
-- Consegue dizer que fragrância exala nessas roupas e se foi feita aqui?
O atendente aspira algumas vezes.
-- Dê-me alguns dias e farei uma fórmula. Talvez a madame reconheça nela o aroma procurado.
-- Acha então que o produto é da loja?
-- Bem provável. Em que endereço me apresento?
-- Rua São Clemente 426. Quando poderei apreciar a fórmula?
-- Se tiver urgência, reduzo o tempo para a combinação descansar sem prejuízo do resultado final, é claro.
Catarina sorri, retira o envelope da bolsa e o estende.
-- É muito gentil. Isso é para o senhor.
-- Madame, não precisa.
-- Como não? Fará um trabalho e quero contribuir para a sua futura loja.
Adamastor sorri; guarda o envelope no bolso e exibe nova cortesia.
-- Acredito que irá querer discrição.
-- É sempre conveniente, responde Catarina satisfeita em ter dado um pequeno grande passo em prol dos seus interesses. 

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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