domingo, 8 de fevereiro de 2015

Capítulo Sessenta e Seis

BOLA DE NEVE


Na biblioteca do solar, Catarina folheia jornais e constata a boa repercussão da carta dos Cruzados: Graças a Deus! Receava não sensibilizar as redações com uma única missiva, uma vez que Sóror Helena, irmã de Carlota, recusara-se a participar da iniciativa. Porém o endosso à campanha das colunas Pingos e Respingos, Podridão do Vício e Higiene e Moral lhe mostra que seus receios eram infundados. Com ou sem mãos escrivãs, é o seu o seu fim, Ninon de Valoir. Será soterrada por essa bola de neve, pragueja Catarina com os seus botões. À noite, indaga Theodoro se descobriu alguma pista de quem pagou a apócrifa publicação. A resposta a agrada.
-- Tudo na mesma. Ninguém tem nada a dizer.
-- Inacreditável!
-- Não querem criar problema com quem também faz a renda do jornal.
-- Sempre o vil metal. Isso é um absurdo! 
-- Com dias contados. Estou propondo a criação de uma lei para acabar com o anonimato dessa lucrativa irresponsabilidade.
-- Será um bem que fará ao Brasil. A Pedidos é uma vergonha nacional, diz espreitando a fisionomia do marido, que não revela sua apreensão com a questão.
Entretanto Theodoro está preocupado porque a publicação da carta reavivou questões públicas pendentes. Recentemente, um grupo de comerciantes enviou à Municipalidade uma representação pedindo providências contra o trottoir diante das lojas. Sem um retorno à altura de suas expectativas, o grupo se valeu da publicação para cobrar do prefeito agilidade “na extinção da impudicícia que afugenta a clientela das ruas comerciais”. Logo mais foi a vez dos médicos higienistas em retomar a defesa da regulamentação do meretrício, com dispositivos que englobam o cadastramento das praticantes e a sua sujeição a exames clínicos regulares como meio de tratar doenças venéreas e evitar a proliferação. Do mesmo modo que os comerciantes, os médicos alimentam a campanha com artigos regulares nos quais pedem a assertividade das autoridades no enfrentamento do problema que consideram de saúde pública. Num momento em que cresce a insatisfação com a reforma urbana em curso na cidade e há a resistência em tornar obrigatória a vacina contra a varíola, tudo que o governo menos precisava era sofrer mais desgastes com o ressurgimento daquela questão.
-- Ainda bem que você é um forte e sabe lidar com essas apoquentações diz Catarina indiferente à bola de neve que criou com a carta dos Cruzados da Moral.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


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