DE VAIDADES E DE VÍCIOS
A
tribo Tuyuca procurada por Grünberg é achada e a expedição acolhida pelos
nativos. Ao alvorecer, Valentin ouve o som de flautas, trompetes e tambores
tocados ao longe. São os Tukanos. Alumiados por fachos e no ritmo da música
tocada, despontam na praça da aldeia para a confraternização anual com os anfitriões.
O dia
transcorre entre preparativos. Numa divisão de trabalho, em que a tarefa não
pode ser realizada pelo outro sexo, mulheres finalizam o caxiri e os homens o
kahapí, o paricá e o ipadú. No chão da praça, troncos de árvores são postos,
fogueiras montadas e tochas fincadas. No fundo da maloca comunitária, esteiras
são deitadas próximas de um forno e, na parte central, sobre a terra batida,
uma roda é formada com finos canudos de taquara e pequenas cuias e forquilhas.
Casais
da nação Maku trabalham para os Tuyukas e moram nas imediações em choupanas
individuais. Os homens são responsáveis por reparar as malocas e abastecer a
tribo com alimentos da mata distante. São exímios nadadores e caçadores. As
esposas auxiliam no roçado e no preparo da mandioca, além de cuidar da limpeza
da aldeia e de manter os fogos sempre acessos. Já as filhas tomam conta das
crianças dos patrões.
Sentados
nas cadeiras dobradiças da expedição, Valentin, Grünberg e Schmidt observam a
proximidade calorosa entre os Tuyukas e os Tukanos e a forma como eles e os
Makus se relacionam: olham para os lados quando conversam e nunca entregam nada
na mão um do outro: aproximam-se, agacham e deixam no chão o objeto para o
patrão ou o criado pegar. Valentin rompe o silêncio.
--
Lembra uma cena hindu, com os Makus sendo os intocáveis.
-- Nem
tão intocáveis assim, retruca Schmidt. Visitamos uma aldeia onde meninas Makus
serviam aos patrões como mulheres livres.
-- E?
-- É
isso, usam as meninas e, às vezes, vendem os meninos. Chegam a valer uma
espingarda carregada.
-- Cada povo com o peso e a medida da sua
insensibilidade.
-- E
também com o seu bode expiatório. Os dos indígenas são os Makus. Todo mal de
uma aldeia geralmente é obra de um deles, complementa Grünberg.
-- A
pesquisa resultará numa longa coluna de semelhanças entre os povos.
Grünberg
apenas meneia a cabeça pensando no que se oculta nos ditos civilizados.
A
tarde desvela a vaidade indígena. Rostos são pintados com finas varetas e os
corpos, com carimbos rolantes feitos de madeira talhada com motivos
geométricos. Adornos coloridos são postos nas cabeças e em torno dos pescoços,
braços e tornozelos. Além de cocar e faixas multicoloridas, os homens usam um
cinto feito de dentes de animal e as mulheres de miçangas. Os cintos sustentam
aventais confeccionados de fibras claras enfeitados na barra com grafismos em
vermelho e preto. O pajé Tuyuka se exibe ainda com uma corrente com moedas de
prata, porém o frisson é despertado por um jovem, apelidado de Dândi por Grünberg.
Além de ostentar um colar com pequenas placas triangulares feitas de quartzo
lascado e polido, trançou seu cabelo e caprichou mais na sua pintura facial. O
visual inspira retoques de última hora nos demais.
Valentin
fotografa. Considera o momento o lucro da expedição. Evita retratos posados e
privilegia detalhes pensando numa ode fotográfica às diferentes expressões da vaidade
humana. A perspectiva do trabalho abranda suas tensões. Receia não passar na prova
da moderação, em vias de acontecer com a festa de logo mais. Pressionado pelo
vício, sabe dizer onde o pó, o fumo e a bebida estão guardados. Luta contra o
seu titã.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
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