quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Capítulo Setenta e Um

DE VAIDADES E DE VÍCIOS


A tribo Tuyuca procurada por Grünberg é achada e a expedição acolhida pelos nativos. Ao alvorecer, Valentin ouve o som de flautas, trompetes e tambores tocados ao longe. São os Tukanos. Alumiados por fachos e no ritmo da música tocada, despontam na praça da aldeia para a confraternização anual com os anfitriões.
O dia transcorre entre preparativos. Numa divisão de trabalho, em que a tarefa não pode ser realizada pelo outro sexo, mulheres finalizam o caxiri e os homens o kahapí, o paricá e o ipadú. No chão da praça, troncos de árvores são postos, fogueiras montadas e tochas fincadas. No fundo da maloca comunitária, esteiras são deitadas próximas de um forno e, na parte central, sobre a terra batida, uma roda é formada com finos canudos de taquara e pequenas cuias e forquilhas.
Casais da nação Maku trabalham para os Tuyukas e moram nas imediações em choupanas individuais. Os homens são responsáveis por reparar as malocas e abastecer a tribo com alimentos da mata distante. São exímios nadadores e caçadores. As esposas auxiliam no roçado e no preparo da mandioca, além de cuidar da limpeza da aldeia e de manter os fogos sempre acessos. Já as filhas tomam conta das crianças dos patrões.
Sentados nas cadeiras dobradiças da expedição, Valentin, Grünberg e Schmidt observam a proximidade calorosa entre os Tuyukas e os Tukanos e a forma como eles e os Makus se relacionam: olham para os lados quando conversam e nunca entregam nada na mão um do outro: aproximam-se, agacham e deixam no chão o objeto para o patrão ou o criado pegar. Valentin rompe o silêncio.
-- Lembra uma cena hindu, com os Makus sendo os intocáveis.
-- Nem tão intocáveis assim, retruca Schmidt. Visitamos uma aldeia onde meninas Makus serviam aos patrões como mulheres livres.
-- E?
-- É isso, usam as meninas e, às vezes, vendem os meninos. Chegam a valer uma espingarda carregada.
 -- Cada povo com o peso e a medida da sua insensibilidade.
-- E também com o seu bode expiatório. Os dos indígenas são os Makus. Todo mal de uma aldeia geralmente é obra de um deles, complementa Grünberg.
-- A pesquisa resultará numa longa coluna de semelhanças entre os povos.
Grünberg apenas meneia a cabeça pensando no que se oculta nos ditos civilizados.
A tarde desvela a vaidade indígena. Rostos são pintados com finas varetas e os corpos, com carimbos rolantes feitos de madeira talhada com motivos geométricos. Adornos coloridos são postos nas cabeças e em torno dos pescoços, braços e tornozelos. Além de cocar e faixas multicoloridas, os homens usam um cinto feito de dentes de animal e as mulheres de miçangas. Os cintos sustentam aventais confeccionados de fibras claras enfeitados na barra com grafismos em vermelho e preto. O pajé Tuyuka se exibe ainda com uma corrente com moedas de prata, porém o frisson é despertado por um jovem, apelidado de Dândi por Grünberg. Além de ostentar um colar com pequenas placas triangulares feitas de quartzo lascado e polido, trançou seu cabelo e caprichou mais na sua pintura facial. O visual inspira retoques de última hora nos demais.
Valentin fotografa. Considera o momento o lucro da expedição. Evita retratos posados e privilegia detalhes pensando numa ode fotográfica às diferentes expressões da vaidade humana. A perspectiva do trabalho abranda suas tensões. Receia não passar na prova da moderação, em vias de acontecer com a festa de logo mais. Pressionado pelo vício, sabe dizer onde o pó, o fumo e a bebida estão guardados. Luta contra o seu titã.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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