A RODA DO HUMOR
De
noite Catarina recebe o marido, bela, fresca e serena. Tudo transcorre como o
esperado de uma esposa exemplar: sem silêncios enigmáticos, nem faíscas de
raiva no olhar e muito menos sem cenhos franzidos ou de mau humor. Assim o
casal se recolhe ao leito e nesse clima acolhedor os primeiros movimentos do
bebê são relatados. Theodoro se aflige.
Desgasta-o a ideia de uma vida tomando espaço no corpo de outra e tem receios
de como será essa vida, se nascerá saudável e se sentirá por ela a afinidade
que espera ter. Não vê a hora de isso tudo acabar e de ter o bebê no
berço.
--
Mexeu como, forte ou fraco?
--
Leve como cócegas ou como uma borboleta batendo asas dentro de mim.
A
resposta o arrepia e o preocupa.
--
Será que é uma menina?
-- Por
que não um menino?
--
Melhor falar com Dr. Eugênio.
-- Ou
com aquela médica. Não que vir comigo?
--
Será preciso?
--
Apreciaria a sua companhia.
--
Vamos ver. Estou atolado de compromissos.
-- E
eu cansada de me mover sozinha por tudo quanto é lugar.
Theodoro
se surpreende diante da inusitada mudança de humor.
-- É
uma mulher moderna!
-- Que
se sente solitária.
--
Chame a sua mãe para ficar com você, enquanto mamãe estiver fora.
A
sugestão tumultua mais as emoções e a raiva chispa no olhar e na voz.
-- Não
chamarei ninguém.
--
Isso são modos?
-- De
uma mulher grávida, cheia de amor e assustada em ter o marido longe dela.
-- Mas
estou aqui!
-- Porém
distante. Preciso do concreto do seu amor.
-- Já
o tem.
--
Como, se se tornou um pai, um irmão, para mim?
-- Já
conversamos sobre isso.
-- Não
há razão para sacrificar nossa paixão. A natureza é sábia.
-- E
nós, prudentes. Para que correr riscos desnecessários? Inclusive, acho melhor
eu passar a dormir no outro quarto, diz e se levanta da cama.
-- Não
se atreva, ameaça Catarina se levantando também.
--
Deixe de se comportar como uma criança e volte para a cama.
-- Não
me imponha mais este afastamento.
-- Não
há afastamento algum, apenas cuidados. Mexo-me demais quando durmo e temo
machucar você e o bebê. Está enorme!
--
Enorme como?
--
Como uma mulher grávida, ora! E anda muito sensível, o que não é nada bom.
Catarina
se controla e tentar contornar os efeitos dos seus queixumes.
--
Desculpa. É a emoção da maternidade. Turva minha sensatez.
--
Outra razão para se cuidar melhor. Inclusive deve evitar sair e ter contato com
a sujeira das ruas. Poupe-se e poupará o bebê.
--
Como assim?
--
Disse para ficar em casa. Depois do nascimento do bebê, volte à Ordem da
Estrela e aos seus compromissos sociais, antes não.
A
recomendação a assusta e evoca a amante do marido.
-- Mas
por que, se ando em lugares asseados e sinto-me bem?
--
Combinamos de ser discretos e você anuncia sua gravidez aos quatros ventos.
-- Não
comentei nada com ninguém.
-- Mas
já está visível. Daqui a pouco a notícia alcança Portugal.
--
Qual o problema? Já saí da fase do risco maior.
--
Nada é seguro até o bebê nascer.
--
Theo!
-- Não
insista e volte para cama.
--
Não.
--
Catarina.
--
Será preciso tanto cuidado? – ela indaga em tom doce.
-- Da
sua saúde depende a do bebê, não é assim que o Dr. Eugênio diz?
-- É.
--
Pois então?
-- Mas
pode ser diferente, insiste.
--
Tudo muda, menos a maternidade. Ou não quer ser uma mãe virtuosa?
--
Quero.
--
Deite-se, então.
Ajuda-a
se acomodar a e a beija na testa.
--
Durma bem
--
Você também
Tão logo o marido deixa o quarto. Catarina chora e reza entre soluços: Estrela-guia,
não me abandone! Ajude-me a ter minha vida e o meu marido de volta. A reza
não a consola, nem o sono chega. No entanto, a insônia favorece o plano que
concretiza na tarde do dia seguinte. Visita Carlota Abreu Vaz, a irmã da Ordem
da Estrela traída pelo marido.
Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e
TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
Nenhum comentário:
Postar um comentário