quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Capítulo Sessenta

A RODA DO HUMOR


De noite Catarina recebe o marido, bela, fresca e serena. Tudo transcorre como o esperado de uma esposa exemplar: sem silêncios enigmáticos, nem faíscas de raiva no olhar e muito menos sem cenhos franzidos ou de mau humor. Assim o casal se recolhe ao leito e nesse clima acolhedor os primeiros movimentos do bebê são relatados.  Theodoro se aflige. Desgasta-o a ideia de uma vida tomando espaço no corpo de outra e tem receios de como será essa vida, se nascerá saudável e se sentirá por ela a afinidade que espera ter. Não vê a hora de isso tudo acabar e de ter o bebê no berço. 
-- Mexeu como, forte ou fraco?
-- Leve como cócegas ou como uma borboleta batendo asas dentro de mim.
A resposta o arrepia e o preocupa.
-- Será que é uma menina?
-- Por que não um menino?
-- Melhor falar com Dr. Eugênio.
-- Ou com aquela médica. Não que vir comigo?
-- Será preciso?
-- Apreciaria a sua companhia.
-- Vamos ver. Estou atolado de compromissos.
-- E eu cansada de me mover sozinha por tudo quanto é lugar.
Theodoro se surpreende diante da inusitada mudança de humor.
-- É uma mulher moderna!
-- Que se sente solitária.
-- Chame a sua mãe para ficar com você, enquanto mamãe estiver fora.
A sugestão tumultua mais as emoções e a raiva chispa no olhar e na voz.
-- Não chamarei ninguém.
-- Isso são modos?
-- De uma mulher grávida, cheia de amor e assustada em ter o marido longe dela.
-- Mas estou aqui!
-- Porém distante. Preciso do concreto do seu amor.
-- Já o tem.
-- Como, se se tornou um pai, um irmão, para mim?
-- Já conversamos sobre isso.
-- Não há razão para sacrificar nossa paixão. A natureza é sábia.
-- E nós, prudentes. Para que correr riscos desnecessários? Inclusive, acho melhor eu passar a dormir no outro quarto, diz e se levanta da cama.
-- Não se atreva, ameaça Catarina se levantando também.
-- Deixe de se comportar como uma criança e volte para a cama.
-- Não me imponha mais este afastamento.
-- Não há afastamento algum, apenas cuidados. Mexo-me demais quando durmo e temo machucar você e o bebê. Está enorme!
-- Enorme como?
-- Como uma mulher grávida, ora! E anda muito sensível, o que não é nada bom.
Catarina se controla e tentar contornar os efeitos dos seus queixumes.
-- Desculpa. É a emoção da maternidade. Turva minha sensatez.
-- Outra razão para se cuidar melhor. Inclusive deve evitar sair e ter contato com a sujeira das ruas. Poupe-se e poupará o bebê.  
-- Como assim?
-- Disse para ficar em casa. Depois do nascimento do bebê, volte à Ordem da Estrela e aos seus compromissos sociais, antes não.
A recomendação a assusta e evoca a amante do marido.
-- Mas por que, se ando em lugares asseados e sinto-me bem?
-- Combinamos de ser discretos e você anuncia sua gravidez aos quatros ventos.
-- Não comentei nada com ninguém.
-- Mas já está visível. Daqui a pouco a notícia alcança Portugal.
-- Qual o problema? Já saí da fase do risco maior.
-- Nada é seguro até o bebê nascer.
-- Theo!
-- Não insista e volte para cama.
-- Não.
-- Catarina.
-- Será preciso tanto cuidado? – ela indaga em tom doce.
-- Da sua saúde depende a do bebê, não é assim que o Dr. Eugênio diz?
-- É.
-- Pois então?
-- Mas pode ser diferente, insiste.
-- Tudo muda, menos a maternidade. Ou não quer ser uma mãe virtuosa?
-- Quero.
-- Deite-se, então.
Ajuda-a se acomodar a e a beija na testa.
-- Durma bem
-- Você também
Tão logo o marido deixa o quarto. Catarina chora e reza entre soluços: Estrela-guia, não me abandone! Ajude-me a ter minha vida e o meu marido de volta. A reza não a consola, nem o sono chega. No entanto, a insônia favorece o plano que concretiza na tarde do dia seguinte. Visita Carlota Abreu Vaz, a irmã da Ordem da Estrela traída pelo marido.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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