quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Capítulo Oitenta

NÃO FAZ SENTIDO


Valentin desembarca no Pharoux e se dirige a um coche de aluguel.
-- Livre?
-- A vossa espera, senhor. Aonde quer ir?
As exigências do desejo agitam-se no peito saudoso e se expressam:
-- Rua São Clemente.
-- É pra já.
Ao longo do percurso, tudo que Valentin gostaria de dizer a Catarina e de ouvi-la falar lhe vem à mente. Voluptuosa, a esperança o inunda e transborda do olhar. Ilumina o reconhecimento das ruas reviradas pela reforma e resiste à memória das desilusões, como o passado colonial da cidade às demolições em curso.
Sorrateiro, desce do coche e penetra o solar. Vê Catarina estirada em um recamier entre flamboyants numa lateral do jardim. À medida que se aproxima, entende a massa volumosa que a amada se tornou e deseja ser o pai da criança. Emocionado, contempla o corpo grávido de perto. Catarina sente a presença e abre os olhos, que se fixam em assombro. Tenta se levantar e logo está de pé, entre os braços de Valentin, embevecido.
-- Está mais linda do que nunca.
-- Ora, deixe disso! Preciso de ar... Por favor, me solte.
É atendida e disfarça sua inquietude com a costumeira frivolidade.
-- Que surpresa!
-- Surpresa, digo eu. É o que penso?
-- O quê?
-- Eu sou o pai?
-- Claro que não.
A decepção anuvia o rosto de Valentin – e o desejo rebela-se.
-- Não pode ter certeza.
-- Posso.
-- Como?
-- Deixe de ser indiscreto.
-- É o meu direito saber.
-- O neném nascerá no final do ano. Faça as contas você mesmo.
-- Não faz sentido!
-- A falta de sentido é você pensar diferente.
-- Essa criança é minha
-- Nunca mais diga isso. Theodoro é o pai.
Inconformado, Valentin luta pelo seu amor.
-- Fale a verdade. Não tenha medo. Juntos, vamos enfrentar tudo.
-- Não há nada que enfrentar e esqueça o que houve entre nós.
-- Impossível. Se nossa paixão está viva e dentro de você.
-- Não se engane nem me torne uma obsessão. Amo Theodoro mais do que antes e, por tudo que lhe é mais sagrado, eu te peço: não destrua a minha vida.
 O pedido agrava a dor do coração derrotado e se repete de modo radical.
-- Sabe que não tem condições de ficar aqui. Vá embora e não me procure mais.
Rendido pela rejeição, como um obediente cachorro enxotado, Valentin se afasta, aturdido e cabisbaixo, enquanto Catarina roga: Pai santíssimo, Virgem misericordiosa, não me desamparem.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


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