sábado, 14 de fevereiro de 2015

Capítulo Setenta e Três

PRAGMATISMO CONJUGAL


Pela primeira vez, Catarina expõe sua gravidez em uma solenidade pública. O evento inaugura um trecho reformado da Avenida Central. Ao seu lado, no palanque, Theodoro exala satisfação, na posição de graduado funcionário do governo e futuro pai. Abaixo, no espaço reservado aos convidados dos demais escalões, está Carlota de braço dado com o magistrado. Pelo menos a campanha serviu para alguma coisa, pensa Catarina enquanto acena para a amiga. Sem identificar um rosto que possa ser o de Ninon de Valoir, seu olhar percorre a plateia especial e a popular, separadas por faixas verdes e amarelas: não se mostraria em público, conclui. Contudo sabe que a rival permanece em cena, conforme os rastros do perfume deixados no casaco de Theodoro. Com pragmatismo lida com o desencanto matrimonial. Perdeu o ardor do marido, mas não a condição de esposa do candidato à presidência do Brasil para quem dará um filho. E trata a sombra de Ninon como um artefato de luxo estrangeiro que Theodoro usa para assomar a sua condição varonil entre os congêneres. Porém, como neste instante, a ideia da adversária aperta o peito e faz doer a mágoa ali trancafiada.
O landau do chefe da nação adentra a península escoltado pelo 9º Regimento de Cavalaria com os homens em fardas de gala. Um tímido alvoroço ocorre entre os presentes. Acompanhado de ministros, o presidente Rodrigues Alves desce da carruagem e é recebido pelo prefeito Pereira Passos, pelo governador Pinheiro Machado e pelo arcebispo do Rio de Janeiro. Imediatamente, o mestre de cerimônia grita vivas à autoridade maior do país e obtém a saudação da claquete oficial que destoa do silêncio popular. Da fria reação, Theodoro depreende o nível de insatisfação da população com o governo. Preocupa-se.
O arcebispo lança a benção à Avenida e aos fiéis. O Presidente desfaz o laço de fitas. Fogos estouram enquanto a oficialidade caminha para o palanque. Acomodados nos locais de honras, todos cantam o Hino Nacional ao som da banda da Companhia Luz Stearica. Finda a canção, discursos são proferidos e sucedidos pela apresentação de um coral de crianças e seguido por um desfile de jovens estudantes com estandartes enfeitados com as cores nacionais.
A banda volta a tocar. O coral infantil acena lenços brancos durante a saída do presidente. Uma seleta comitiva também deixa o local e se dirige ao Palácio do Catete, onde a celebração prosseguirá, em caráter reservado. Theodoro e Catarina integram o cortejo no coche conduzido por Abdias pela Avenida Central ainda em obras.
-- A saída foi mais calorosa.
-- Crianças dão vida ao ambiente.
-- É. Não há o que reclamar. O povo compareceu e não vaiou.
-- Sempre vendo o lado bom de tudo.
-- Ou o que poderia ser pior.
-- Como aprendo com você, meu querido, diz Catarina com um olhar distante.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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