sexta-feira, 26 de junho de 2015

Capítulo Cento e Dois

PONDO A CONVERSA EM DIA


Honório Augusto está com Theodoro. Desde que regressou da Europa, essa é a primeira conversa que tem a sós com o filho. Nesse instante, ouve-o contar a explicação que deu ao presidente de como a nota do governo vazou para o jornal da oposição.
-- Inventei que um revisor vendeu a informação.
-- Ele aceitou?
-- Claro! E bem provável que tenha ocorrido isso mesmo. Tudo se compra e se vende – e aqui na cidade até rato.
-- Linguagem de expressão ou novo ramo de negócios?
-- Novíssimo, porém com vida curta. Surgiu durante a sua ausência. Cruz decidiu pagar cada rato caçado pela população. Pode imaginar o que aconteceu?
-- Fizeram criadouro para faturar com a medida sanitária?
-- Exato.
-- Meu Deus, onde esse mundo vai parar? E onde já se viu noticiar a conspiração. Que insensatez!
-- Fui voto vencido.
-- E Alves irresponsável. O que se passa com ele?
-- Muita pressão, talvez.
-- Cuide-se porque vem mais. É grande a insatisfação com o preço do café.
-- Estou sabendo. Mas não vai mudar o câmbio doa a quem doer.
-- Pra quê isso, se somos uma grande família e as finanças estão em ordem?
-- Num equilíbrio instável e há as concordadas a vencer. Se a balança pender pra menos, estaremos todos em maus lençóis.
-- Bom, por esse prisma, vale um pouco mais de sacrifício. Mas esses ânimos exaltados me preocupam. Melhor não deixar sua reputação tão colada na de Alves.
-- Pelo menos até 1906, não vejo outro jeito.
-- Sempre há modos de estar junto sem estar, Theodoro. Inclusive já poderia estar mais protegido se tivesse ajudado o comendador. Virou as costas até para o Emiliano! Como pôde? Olha se não estiverem metidos nessa conspiração.
-- Não tenho como compor com tacanhices.
-- Tacanho vota e faz voto. Aplaudo a sua visão financeira e os negócios com os estrangeiros, mas é nas mãos nacionais que esse capital enraíza aqui. Portanto, contenha-se e apare as arestas com os da terra.
-- Por quanto tempo mais acha que Ouro Preto e companhia irão querer torrar dinheiro se as fontes não estão boas para eles?
-- Torrar? Estão a investir e muito bem: voltam ao poder, se depõem Alves, e voltam, também, se o impedem de fazer seu sucessor. O próximo presidente virá realmente da tradição, enquanto você ficará em mau lençol.
-- Está a me subestimar.
-- Não subestimo meu sangue. Apenas chamo a sua atenção. A lavoura é a nossa vocação e vivemos muito bem de importação.
-- São Paulo não pensa assim. Quando propõem ao governo comprar o excedente do café, estão de olho nos recursos de que precisam para fazer suas indústrias. Isso é o que querem: risco zero, dinheiro e do Tesouro Nacional.
-- Pare com essa objetividade descortês.
-- Pai, por favor.
-- Por favor, digo eu. Não encontrará apoio com assertividades desairosas e sim com cordialidade e cautela. Esses são os nossos modos.
-- O tempo é de velocidade e ousadia.
-- E de preocupação. Desde que cheguei não faço outra coisa senão apaziguar os ânimos dos amigos. Estão receosos com a voracidade dos americanos e dos colegas canadenses. Algo me diz que sabem de você.
-- Até aí Inês é morta.
-- Deixe de ser imprudente. Os riscos desses negócios são altíssimos.
-- À altura do lucro que teremos.
-- Como, se Passos proibiu os privilégios no setor da eletricidade?
-- O Rui irá cuidar disso.
-- Como pode cuidar se defende a livre concorrência?
-- Acima de tudo, é um advogado – e bastante sagaz.
-- Espero. Mas lembre-se que nem sempre quem ganha leva.
-- Não seja tão prudente.
-- Meu filho, esse projeto da energia pode provocar rupturas irreparáveis.
-- Todos ganharão de um modo ou de outro. Não se preocupe.
-- Se é assim, sobra essa ameaça de subversão como espada na sua cabeça. Se não pode acabar com os patronos, enfraqueça os subalternos. Duvido que Ouro Preto tenha se lembrado disso. Quem esqueceu uma vez, esquecerá sempre.
-- Estou tentando isolar um capitão. Parece ser a inteligência tática do grupo. Foi bolsista do Pedro II na minha época e se formou em engenharia e estado-maior.
-- De origem humilde e preparado além do necessário, deve ter a presunção de ser capaz de fazer essa democracia do povo.
-- É o que eu acho.
-- Como pensa lidar com ele?
-- Conversar e tentar trazê-lo para o nosso lado.
-- Tem fundos para tanto?
-- Tenho. Mas estou incerto se o dinheiro o atrai.
-- Se tem dúvidas, não aja. Sabe algo dele que não possa vir a público?
-- A ficha é limpa. Já a mulher, não. Andou a passear com um homem, depois parou. Pus gente para investigar o que ela anda a fazer agora.
-- Se essa senhora trai ou não o marido, pouco importa. Guerra é guerra.
-- Isso eu sei. Mas um a carta anônima bem escrita pode vergar o Capitão de vez.
-- Sabe se o cavalheiro em questão é das relações dele?
-- Conhecido. Levou a mulher ao mar. Ela estava doente.
-- Ah, então crie uma lembrança desse senhor. Algo que suscite a dúvida e instale o desgaste da honra ferida. O capitão se vergará por conta própria. Nesses assuntos, a insegurança é tão devastadora quanto qualquer certeza.
-- É. Uma boa ideia, diz Theodoro pensando na sua própria situação.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos


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