quarta-feira, 10 de junho de 2015

Capítulo Oitenta e Dois

O ENCILHAMENTO DA MISÉRIA


Herculano surpreende-se com a visita inesperada de Euclides, na Escola. O colega o põe a par da sua entrevista com Rio Branco, em Petrópolis, para tentar integrar a expedição que irá demarcar os limites territoriais do Acre. Tece elogios ao ministro.
-- Possui a linha superior e firme de um estadista e não há meio d’eu considerá-lo sem as proporções anormais de um homem superior à sua época.
Herculano observa a mudança de atitude de Euclides, sempre crítico aos egressos do monarquismo. Nada diz a respeito.
-- Já o vejo na expedição e a escrita d’Os Sertões Verdes.
-- A ideia me fascina. Vamos esperar, pra ver se realiza.
-- Tem as credências para tanto, além de afinidade com o tema.
-- Deixei com ele uma cópia daquele meu artigo sobre as fronteiras da Amazônia.
-- Apreciará a leitura.
-- Não sei se lerá porque me fez adiantar ponto por ponto do texto.
-- Como se saiu?
-- Tal qual um aluno aplicado e nervoso em exame oral.
-- A conversa se prolongou depois?
-- Horas a fio.
-- Foi aprovado.
-- Oxalá o ouça – até porque preciso trabalhar. Estou desempregado.
-- Não sabia.
-- Pedi a demissão, numa cartada no vácuo. Não aguentava mais os empreiteiros.
-- Como anda a contratação na Politécnica?
-- Tudo na mesma. Todos me querem lá, mas nada acontece. Procurei o Müller e o Sodré para pedir emprego. Pode imaginar o meu constrangimento.
-- Nunca são fáceis esses pedidos.
-- Eu que o diga. A propósito, tem se encontrado com eles?
-- Mais com Sodré. Quando possível, vou ao Senado e, às vezes, o cumprimento. Já Müller, eu o vi num sarau. Trocamos palavras cordiais apenas.
-- Imagino que pese as divergências com a reforma urbana.
-- Sim, mas estou atento às oportunidades de convergências.
-- As minhas surgiram no aperto do bolso. Venci rigores e recorri aos dois.
-- A maturidade nos faz mais maleáveis.
-- Ou melancolicamente lúcidos. A retidão fecha portas, pelo menos na nossa República hilária.
-- Alguma possibilidade com Müller ou Sodré?
-- A princípio, pensei que sim. Foram calorosos. Ficaram de me ajudar. Mas não devo nutrir esperanças. Quando estive com Müller, fiquei assombrado com a legião de engenheiros que se acotovelavam em busca de emprego no saguão. Era uma tela de pintura: o encilhamento da miséria.  Bom, deixa isso pra lá. O que me conta de você?
-- Sem novidades, diz Herculano.
Prefere não comentar o que anda fazendo e enrola o amigo com assuntos de menor monta. Durante a conversa, reviu suas expectativas de integrá-lo na conspiração.  Julga a possível experiência de Euclides na Amazônia mais útil para o futuro do país que mobilizá-lo para acender um clamor revolucionário que aflora de modo espontâneo. Porém prepara-o para informações que o alcançarão mais cedo ou mais tarde.
-- Reconheço minha pequena desenvoltura política, porém, continuo em alerta para retornar na hora certa para o campo das lutas patrióticas.
-- Decididamente nascemos para Jeremias destes tempos. Só nos faltam algumas barbas brancas, emaranhadas e trágicas.

Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

Nenhum comentário:

Postar um comentário