segunda-feira, 8 de junho de 2015

Capítulo Oitenta



DOIS COELHOS INCONVENIENTES


Há algum tempo Pereira Passos decretou a mudança de quiosques localizados em área com muitas moradias para região onde predomina o comércio. A medida afetou Emiliano. Além de deter o título de rei dos quiosques, é membro ilustre da Associação Comercial. Procurou o prefeito com quem conversa neste momento.
-- Não entendi a ordem de vossa excelência. Sobretudo os fregueses da Lapa são gente simples, mas ordeira, não causam transtornos a ninguém.
-- Infelizmente recebemos muitas reclamações.
-- Ah, decerto intriga dos cafés e restaurantes. Nos meus quiosques, as refeições são ligeiras. Não perturbam ninguém. E os caixeiros cuidam bem da higiene do balcão e do chão ao redor.
-- O senhor está certo disso?
-- Se estou a lhe falar, excelência.
-- Pode registrar vossa declaração?
-- Poderei saber quem são os reclamantes?
-- Dou-lhe minha palavra se houver novas queixas.
-- Dê-me então papel, pena e tinta, pois terá o meu testemunho.
Documento redigido, Emiliano parte satisfeito. A satisfação se esvai na manhã seguinte, com o vozerio da instalação de um quiosque concorrente na calçada da sua residência. No mesmo dia, pede a interferência de Theodoro para remover a casinhola. A semana termina e a segunda-feira chega, sem a ajuda se concretizar e com a barulhenta freguesia alheia a crescer. Lastima o descaso do secretário de governo e a arreliação do Prefeito com o amigo Ferdinando.
-- Tratam a gente como se fossemos uns sem eira nem beira. 
-- Estão todos afrancesados nos modos, inglesados nos bolsos e desmemoriados dos tostões que botaram o patrão deles e eles no poder.
-- Tão pensando que boi deitado é vaca, verão só nas próximas eleições. Nenhum que honre suas raízes portuguesas votará na chapa deles.
-- Também acho, mas até lá vamos ficar vendo o bonde passar?
-- Tá sabendo dos Cruzados...
-- Da Moral?
-- Isso. Que tal a gente escrever uma missiva apimentando as denúncias?
-- Nomes não faltam.
-- Que não precisam ser ditos. Basta dar a feição. Dizer que um secretário federal não sai da Casa Rosada, uma autoridade municipal tem amante francesa e, pra não dar muito na vista, citar outros que andam enrabichados ou amasiados com dissolutas.
-- Gosto da ideia. Só que os quiosques continuarão de pé a infernizar você e o nosso projeto permanecerá empacado sem a remoção daquele mulherio.
-- Por que não matamos dois coelhos com uma cajadada só?
-- Se o meretrício se amontoa ao balcão dos quiosques...
-- E a São Jorge é reduto de um monte de dissolutas...
-- E a casa lá é de benzeção...
-- Alguém na polícia pode nos ajudar a espremer esses limões.
-- A luta?
-- Como não, comendador? Quem ri por último, ri melhor.


Copyright © 2013 by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos

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