DOIS COELHOS INCONVENIENTES
Há algum tempo Pereira
Passos decretou a mudança de quiosques localizados em área com muitas moradias
para região onde predomina o comércio. A medida afetou Emiliano. Além de deter
o título de rei dos quiosques, é membro ilustre da Associação Comercial.
Procurou o prefeito com quem conversa neste momento.
-- Não entendi a ordem de vossa excelência.
Sobretudo os fregueses da Lapa são gente simples, mas ordeira, não causam
transtornos a ninguém.
-- Infelizmente recebemos muitas reclamações.
-- Ah, decerto intriga dos cafés e
restaurantes. Nos meus quiosques, as refeições são ligeiras. Não perturbam
ninguém. E os caixeiros cuidam bem da higiene do balcão e do chão ao redor.
-- O senhor está certo disso?
-- Se estou a lhe falar, excelência.
-- Pode registrar vossa declaração?
-- Poderei saber quem são os reclamantes?
-- Dou-lhe minha palavra se houver novas
queixas.
-- Dê-me então papel, pena e tinta, pois terá o meu testemunho.
Documento redigido, Emiliano parte
satisfeito. A satisfação se esvai na manhã seguinte, com o vozerio da
instalação de um quiosque concorrente na calçada da sua residência. No mesmo
dia, pede a interferência de Theodoro para remover a casinhola. A semana
termina e a segunda-feira chega, sem a ajuda se concretizar e com a barulhenta
freguesia alheia a crescer. Lastima o descaso do secretário de governo e a
arreliação do Prefeito com o amigo Ferdinando.
-- Tratam a gente como se fossemos uns sem
eira nem beira.
-- Estão todos afrancesados nos modos,
inglesados nos bolsos e desmemoriados dos tostões que botaram o patrão deles e
eles no poder.
-- Tão pensando que boi deitado é vaca, verão
só nas próximas eleições. Nenhum que honre suas raízes portuguesas votará na
chapa deles.
-- Também acho, mas até lá vamos ficar vendo
o bonde passar?
-- Tá sabendo dos Cruzados...
-- Da Moral?
-- Isso. Que tal a gente escrever uma missiva
apimentando as denúncias?
-- Nomes não faltam.
-- Que não precisam ser ditos. Basta dar a
feição. Dizer que um secretário federal não sai da Casa Rosada, uma autoridade
municipal tem amante francesa e, pra não dar muito na vista, citar outros que
andam enrabichados ou amasiados com dissolutas.
-- Gosto da ideia. Só que os quiosques
continuarão de pé a infernizar você e o nosso projeto permanecerá empacado sem
a remoção daquele mulherio.
-- Por que não matamos dois coelhos com uma
cajadada só?
-- Se o meretrício se amontoa ao balcão dos
quiosques...
-- E a São Jorge é reduto de um monte de dissolutas...
-- E a casa lá é de benzeção...
-- Alguém na polícia pode nos ajudar a
espremer esses limões.
-- A luta?
-- Como não, comendador? Quem ri por
último, ri melhor.
Copyright © 2013
by Maria Tereza O. S. Campos
Copyright de adaptação para Cinema
e TV © 2005 by Maria Tereza O. S. Campos
Nenhum comentário:
Postar um comentário